segunda-feira, 2 de novembro de 2020

... E OS DIAS DIMINUEM

São Dias.

Dia das Bruxas. Dia de Todos os Santos. Dia de Finados.

Pode brincar-se com coisas sérias?

Não sei o que o meu avô diria.

Sabe-se que não se morre quando de quer mas quando se pode.

Será mesmo?

Há um delirante filme de Jim Jarmuch em que se brinca com coisas sérias.

A canção que faz parte do filme, tem o cantor country Sturgill Simpson, a interpretar a canção-tema que nos diz  que os mortos são fantasmas dentro de um sonho, uma vida que não possuímos, que a vida continua para além da morte.

 É tão estranho que entre a avalancha de saberes úteis e inúteis que acumula­mos uma vida inteira. não esteja este: aprender a morrer.

 O Mário de Sá-Carneiro deixou um poema em que exigia:

Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos saltos e aos pinotes,
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas!
Que o meu caixão vá sobre um burro
Ajaezado à andaluza...
A um morto nada se recusa,
Eu quero por força ir de burro.

Não se morre quando se quer mas quando se pode.

Falará apenas do que sobre o assunto, variadas vezes, o pai lhe disse: «Não quero lutos. Os lutos ofendem-me. Terão que arranjar forças para que tudo o que for festas, as façam como se eu também lá estivesse. Se assim não fizerem, venho por aí abaixo e desato à bofetada».

Foi este o recado. Qualquer dia passará o discurso aos filhos...

Não é fácil...

Este velho recorte é um belíssimo texto do Mário Castrim, e assim, sem quase ninguém dar por isso, passou o centenário do seu nascimento (31 de Julho de 1920).

Bom dia, Mário.

Também não te vou ver ao cemitério. Estás sempre por aqui, os mortos que vão ao nosso lado como dizia o José Gomes Ferreira.

Aquela letra é do próprio Castrim que foi professor de caligrafia na Escola Francisco de Arruda.

O texto é ilustrado com a cena final de O Terceiro Homem de Carol Reed, mais de Orson Welles do que Carl Reed ,  dizia o meu pai.

A  paixão assolapada que ele tinha  por Alida Valli, e o meu pai nunca leu o que João Bénard da Costa escreveu: «os olhos mais verdes que já vi, uma testa altíssima, uma boca sôfrega, perfil suavíssimo e um corpo que, sem ser vistoso ou agressivamente sensual, tinha as proporções feitas para a sedução.»

Altiva e orgulhosa, Alida Valli deixa o cemitério de Salzburgo e caminha estrada fora, indiferente à boleia que Joseph Cotten lhe oferece. Em fundo ouve-se a cítara de Anton Karas, até Alina Valli se perder, sublimemente, na linha do horizonte.

«Percebo que a imagem só se moveu, ou seja, só houve cinema, para nos dar movimentos desses e mulheres assim», para voltar a citar João Bénard da Costa.

2 comentários:

Seve disse...

Ó Sammy permite-me a ousadia e o atrevimento, era Alida Valli e não Alina Valli (sei que foi apenas uma troca do d pelo n) mas creio que assim ficamos sem dúvidas -sou um picuinha nestas picuinhices-.
Abraço

Sammy, o paquete disse...

Não lhe chamo picuinhice, caro Seve, chamo-lhe rigor, algo que, venha de onde vier, muito prezo.
Obrigado e também um
Abraço