quinta-feira, 26 de novembro de 2020

MAS CERTAMENTE AS COISAS VÃO MUDAR

Estamos a 16 de Março de 1936. Do lado leste do grande edifício palaciano que é a Stowe School, gralhas fazem grande rebuliço nos castanheiros, água pinga do telhado do bloco de salas onde em tempos eram os estábulos e, no seu interior, Mr. White, o Director de Departamento de Inglês, com mantas amontoadas sobre as pernas, equilibra um caderno nos joelhos e escreve depressa, numa caligrafia pequena e nítida. Pergunta-se se aquele será o livro mais importante que já escreveu. Não por lhe permitir fazer fortuna. Mas porque o irá salvar.

Pensa em deixar a escola. A vida académica é irreal. Está farto. Não suporta os colegas. Também já não suporta os rapazes; em massa, acha-os horríveis, como um cardume de hadoques. Tem de se ir embora dali. Vai viver da escrita. O seu último livro vendeu-se bem. Irá escrever mais. Vai arranjar uma casinha na Escócia e passar os dias a pescar salmão. Talvez leve consigo a empregada do bar e case com ele, com essa beldade de olhos escuros a quem a fazer a corte há meses, embora até ver só esteja apaixonado por ele emocionalmente, ainda não chegou a parte nenhuma, na verdade, e a maior parte das vezes aquelas longas horas sentado no bar só lhe trouxeram um estado inútil de embriaguez. Bebe demais. Já bebeu muito e há muito tempo que é infeliz. Mas certamente as coisas vão mudar.

Helen Macdonald em A de Açor

Legenda: fotografia Shorpy

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