Para assinalar os 10
anos do CAIS DO OLHAR, os fins-de-semana
estão guardados para lembrar alguns textos que por aqui foram sendo publicados.
OS
CLÁSSICOS DO MEU PAI
Para beber
uma garrafinha de tinto, a acompanhar um petisco, qualquer motivo servia.
Mas o mais feliz de todos era irmos ver
um filme do João César Monteiro: juntar o gosto petisqueiro à genialidade do
João era o suprassumo do quotidiano, dizia o meu pai.
É durante a exibição de Veredas que
o meu pai agarra com todos os sentidos a 7ªSinfonia
de Anton Brucker que, juntamente com cantos populares de
Trás-os-Montes e Alto Alentejo, mais música instrumental da Idade Média, faz
parte da banda sonora deste filme datado de 1977.
Aliás, há que salientar que, para além
da excelência dos diálogos, há que mencionar as fabulosas bandas
sonoras.
O mesmo se passa com os filmes de Woody
Allen.
Lembrar Vitor Silva Tavares:
Por mim acontece ou aconteceu que até o
escrevinhei (na orelha do volume que reúne os argumentos de Le
Bassin de J.W. e de As Bodas de Deus): Melhor do que ele, ninguém escreve
em português de - e para - cinema. São os seus scripts (ou filmes da galáxia
Guttenberg) de lamber a língua canónica: volúpia e escarnho, ascese e
escatologia numa ondulação de tal modo ritmada que é já êxtase erótico, cópula
astral. E mais, de passo: Depois, quando iluminados por projecção mágica, viram
ópera: teatro e música enquanto, e só, artes sacras - comédias, bufonarias sejam,
libertinagens, profanações.
O bichinho da 7ª de Bruckner já andava a
bailar no espírito do meu pai, mas foi depois de ter visto Veredas que
correu a comprar o CD.
Também já tinha lido em A
Cidade das Flores do Augusto Abelaira:
«E sorridente continuou. É o sorriso
dum homem feliz que observa Santa Croce, lé em baixo. Que é livre, que está a
cantar, a cantar muito de mansinho, aquele tema do primeiro andamento da Sétima
de Bruckner, aquele que se repete e se prolonga ao longo da sinfonia.»
O meu pai adorava ter prazeres secretos.
Nunca os explicava, não merecia a pena,
ninguém entenderia, murmurava de olho brilhante pelo vinhito.
Passava-se
o mesmo com a sétima de Beethoven, se bem que aí houvesse a referência desse
Papa, detestável Pio XII, naquele poema do Jorge de Sena dedicado à memória de
Pio XII que quis, ouvir, moribundo, o “Alegretto” da Sétima Sinfonia de
Beethoven.
Música: companheira de todas as horas.
Texto
publicado em 3 de Maio de 2018
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