quarta-feira, 25 de novembro de 2020

PALAVRAS E CANÇÕES PARA UM DIA NÃO

«Algures, numa dobra da história, alguma coisa falhou, algum erro se cometeu. Seria altura de saber, onde, como, porquê. Mas talvez seja demasiado tarde…»

Rodrigues da Silva, jornalista


«O 25 de Novembro não é para celebrar.

Porque não foi um acto de alegria, foi

um acto de necessidade. Para os melhores,

dolorosa, para os piores, maligna.

Proponho a esta assembleia de povos um

dia de silêncio em honra da fala

portuguesa sem ódio. Que não viva a morte.»

Maria Velho da Costa

«E aí volto àquela noite, que volto a não ter pejo de achar que não é para celebrar. Alguns anos volvidos, pergunto-me à esquerda também moderada, terá sido um acto legítimo a interrupção do galhofeiramente nomeado PREC? Terá valido a pena, a não conciliação dentro daquele terreno, que, fosse para onde fosse, não deixava de galvanizar grandes massas de trabalhadores, muitos intelectuais, muita gente honesta hoje marginalizada? Porque não é mais possível, na memória comovida ou irritada de todos nós,  dizer que o que estava sendo era instrumentalizado por Moscovo.

Maria Velho da Costa em Mapa Cor de Rosa

«Foram longe de mais. Nem um mês, nem um ano, nem um século decorrerão sem que vos roa um a um as entranhas e pague com a pior peste a ousadia de cercar-me à traição, de limitar-me a voz, os acessos, a vida. Pela voz de todos os que aqui feneceram de excessos e ardores, os meus poetas, os meus desmesurados de sempre, os meus cidadãos da aventura, os grandes viajantes, eu vos amaldiçoo. Um por um vos hei-de corromper do desastre lento, da aventura adiada. Eu não sou a cidade de origem, eu sou a tomada da na ida, a reconquistada dez mil vezes com um farnel e um saco de pano, a donde se vem mudar a vida, a nossa. Vocês pagam. Esta é uma maldição lançada aos reles da ressurreição da minha história. As minhas janelas hão-de abrir-se de novo a escarnecer usurpadores a soldo, a cuspir-vos para esse país de rezas e mesinhas sem luz nem ar onde conservais os vossos trastes e cagais sentenças e ditadores em nome do bom senso. Eu sou a cabeça da terra dos que mais tentam a morte que tal sorte. Eu duro da aventura desventurada, o menor mal. Vocês pagam.

Maria Velho da Costa em Cravo

3 comentários:

Luis Eme disse...

Gostei sobretudo da explicação poética de Maria Velho da Costa, Sammy.

Era demasiado pequeno para falar deste dia (tinha acabado de fazer 13 anos), mas fico sempre com a sensação de que foi "um mal menor", pela forte possibilidade que existia de se iniciar uma "guerra civil", pois havia demasiadas armas à solta no país, em mãos perigosas, e de partir o país ao meio. Um tal brigadeiro do Porto até já era conhecido quase como o "Rei do Norte"...

Sammy, o paquete disse...

Quando um dia se escrever a História de todos aqueles dias até chegarmos a Novembro, já não estarei por cá.
Sofro do pormenor de ter andado embrenhado naqueles dias para que possa ter ideias claras de muitos daqueles acontecimentos.
O que já existe publicado é, seja o lado de onde se olha, muito tendencioso.
Duas notas pessoais: a guerra civil foi um papão lançado para a fogueira. Naquele tempo tínhamos militares e políticos que não a permitiriam. E assim aconteceu. Permito-me lembrar o papel de Melo Antunes.
O Partido Comunista nunca quis fazer uma revolução socialista, pretendeu colaborar num governo com as forças de esquerda mas hoje, de algum modo, sabemos quais eram os projectos de Mário Soares. Foi ele que, entre tantos outros episódios, não descansou enquanto não foi ao Brasil buscar Ricardo Salgado, o futuro «dono disto tudo».
Claro, que hoje já ninguém, como Maria Velho da Costa naquele tempo: «Vocês pagam».
Mas estou certo que, um dia, se fará a história de quem traíu.

Seve disse...

Bela fotografia com dois grandes homens do 25 de Abril e com um (o do meio) do 24 Abril!