Quem me põe na pena palavras que não escrevi,
Na cabeça ideias que não tive
Na vida sensações que não provei?
Levantam-me do chão dos tempos e soltam-me num céu
Aborrecido a meus olhos,
Estrangeiro.
Sou eu e o outro, todos os palácios,
Fúteis transferências de sentido, aves de sangue, expostas,
Embalsamadas, duplas, cidades
Da memória.
Vozes modernas inventam-me a criação das odes,
Completam-me os sonetos.
Não sei por que me vão falando.
A minha boca calou-se quando eu quis.
E a minha cabeça, vazia, nem em filme animado
Se padece,
Transformou-se em pedra, apagada ao luar
Que eu próprio não usei.
Cento e dezoito anos não são tempo
Que faça arrefecer um corpo
Escrito.
Podem ser apenas uma noite, um sonho alucinante,
Ou um dia inteiro, de natureza desperta,
Um fruto, uma folha, uma raiz.
Oiço dizer Seattle, e essas mudanças de clima
Que nada tem a ver com o nascimento da alma
Projectam-se no globo etéreo que a minha
Consciência em expansão
Impede que enluteça. A ética também é irmã
Do efeito de estufa das ideias.
Dou uma luz indirecta como a lua
Às mãos que me ressuscitam nesta tarde de sol,
De calma, de pobreza de espanto,
E muitas, muitas cicatrizes na pele do pensamento.
Somos ilhas, altivas, mas somos arquipélago,
Ó mar carbónico de fumo, aqui, à nossa volta.
Armando Silva
Carvalho em Resumo: a poesia em 2010.
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