José Saramago marcando, em Lanzarote, o final do ano
de 1994.
«Escrevo entre as 12 da noite e as 12 da
noite. A Península já entrou em 1995, aqui ainda nos restam vinte minutos de
1994 para viver. A noite de Lanzarote é cálida, tranquila, Ninguém mais no
mundo quer esta paz?»
O governo de
direita-ultra-liberal de Luís Montenegro, nos poucos meses em que vem actuando,
tem-nos dado atitudes e imagens verdadeiramente lamentáveis.
A exibição policial
na Rua do Benformoso terá sido a mais execrável.
«A noção de necropolítica foi introduzida
por Achille Mbembe para designar as operações cirúrgicas praticadas sem
anestesia no corpo das populações, em que as intervenções, comportando uma boa
dose de violência efectiva e, ainda mais, de violência simbólica, são sempre
político-cirúrgicas. A necropolítica usa a necropolícia para realizar a
cirurgia política.
Tem “necro” no nome porque governa a partir da produção da morte, física ou
social, e está ancorada no estabelecimento de uma hierarquia dos vivos. O
conceito de necropolítica engloba, portanto, o direito de impor a morte social
ou civil, a submissão incondicional e diversas formas de violência política.
Uma imensa fila de corpos encostados à parede pela necropolícia, numa rua de um
bairro da cidade habitado maioritariamente por migrantes, serve para mostrar
corpos que perderam todo o seu poder, socialmente mortos. É isto a política do
medo, longamente testada noutras ocasiões históricas.»
António Guerreiro no Público de 27 de Dezembro
«Fugindo à gritaria, o que mesmo importa
é a pergunta que nos deixou Pacheco Pereira: “se fosse eu a caminhar pela rua,
teria sido encostado à parede e revistado?”
E a isso, claro, não respondeu o primeiro-ministro. Fazendo prova de uma lógica
rebuscada – talvez Marcelo Rebelo de Sousa lhe chamasse lógica urbano-ó-rural,
numa palavra, rústica – veio Luís Montenegro afirmar, justificando o aparato:
"Muitas vezes não é preciso que haja muitos crimes para que as pessoas se
sintam inseguras".
Tem toda a razão. Entre realidade e percepção da realidade existem muitas
diferenças. O que me encanitou na frase foi a conclusão a que ela obriga.
Considerados os resultados práticos da operação – escassíssimos, to say the least – terá redundado do
espectáculo do alinhamento a convicção de que, afinal, há mesmo poucos crimes
na zona e podemos todos sentirmo-nos seguros? Os mais velhos, chegando a
acrescentar: “Ó Ernestina, vamo-nos embora qu’ isto foi tudo uma grande
aldrabice!”?»
Ana Cristina Leonardo no Público de 27 de Dezembro
Este salto sem rede, no vazio incógnito
de um novo ano.
Chamem-lhe futuro.
Sophia Mello Breyner
Andresen sempre se admirou por as pessoas celebrarem a passagem do ano, dizia
ela que o ano está sempre a passar.
Há quem nunca deseje bom
ano a ninguém, dizem que dá azar.
E há a velha sabedoria que
nos diz que os anos só são novos enquanto os novos somos nós.
Se viram um amável filme da norte-americana Nora Ephron, com Meg Ryan e Billy
Cristal, «When Harry Meet Sally», que, parvamente, em português se
chamou, Um Amor Inevitável, o tal filme em que a Meg Ryan
simula um orgasmo em pleno snack e, finda a performance, a
cliente da mesa ao lado, que esperava para fazer o seu pedido, volta-se para o
empregado e diz: «quero o mesmo que aquela senhora», e
certamente lembrar-se-ão que quase no final do filme, quando, numa festa de fim
de ano, Harry reencontra Sally, começam a ouvir-se os acordes de Auld
Lang Syne, e Henry diz que nunca entendeu o significado da canção pois diz
que os velhos conhecidos devem ser esquecidos ou que se os esquecemos devemos
recordá-los mas como recordar se já os esquecemos? Sally não tem resposta mas,
sorrindo, acaba por lhe dizer: “seja o que for é uma canção sobre velhas
amizades”.
Chegamos a bom porto: velhas amizades, lembrar os que já não estão connosco,
com os que estão, os que ainda fazem do Tempo de Natal a festa dos amigos,
celebrar a amizade, sempre, enquanto não chega a hora do adeus.
É isso!
E sabendo que o meu cachimbo está apagado, o meu copo vazio, ouvir aquela
canção celta:
«Que a estrada se abra
à tua frente,
Que o vento sopre levemente nas tuas costas,
Que o sol brilhe morno e suave na tua face,
Que a chuva caia de mansinho nos teus campos.
Ou aqueles versos de um
poema do Jorge de Sena:
«Já tudo
escureceu;
contudo ainda resta
algum dia
suspenso de onde veio a noite que chegou primeiro.
É de sempre este resto de dia
e acompanha-a pelo céu em busca das estrelas frágeis.
A noite, uma vez,
compreenderá que ele vem do mesmo lado que ela.»
«A missanga, todos a veem. Ninguém nota
o fio que, em colar vistoso, vai compondo as missangas. Também assim é a voz do
poeta: um fio de silêncio costurando o tempo." "A vida é um colar. Eu
dou o fio, as mulheres dão as missangas. São sempre tantas as missangas.»
Edição Fac-simile Editora Mil Dias/Jornal Público,
Lisboa, Dezembro de 2024
«A relevância do muralismo político no pós-25 de Abril é inquestionável.
Os muros – e paredes – do país tornaram-se verdadeiras telas, tanto
para partidos políticos, como para artistas e até cidadãos comuns, que, depois
de várias décadas de repressão, procuravam, através do desenho e do graffiti, exaltar a liberdade e
partilhar mensagens de luta e crítica social.
Publicado em 1978, As
Paredes da Revolução é, segundo o seu texto introdutório, “apenas e
só, uma tentativa, que outros deverão prosseguir, de arquivar alguns dos
milhões de graffiti que
cobriram Portugal nesses meses revolucionários”. O livro constitui, assim, uma
compilação despretensiosa de numerosos
murais sem qualquer tipo de análise ou estética, um “primeiro
testemunho da inventiva de um povo em liberdade”.»
Silent Night – Hark! The Herald Angels Sing – He’s My Light – I Believe – It’s
Real – A City Called Heaven – A Child Of The King – God Space To Me – Walk With
Me – Go Tell It On The Mountain – In The Upper Room – Come To Jesus – Jesus Is
With Me- It’s No Secret – Amazing Grace
Tem muito pouco a dizer sobre este disco, aliás não tem nada a dizer. Qualquer
coisa que tentasse dizer, não adiantaria nada sobre a beleza que o rodeia, o
esplendor de quem o canta.
Apetece-lhe apenas contar que Jacinta, uma novel e interessante cantora de jazz
portuguesa, disse, numa entrevista, que entrou para o mundo do jazz, porque na
adolescência ouviu um disco de Natal da Mahalia Jackson.
Tenho fases, como a lua.
Fases de andar escondida,
fases de vir para a rua...
Perdição da minha vida!
Tenho fases de ser tua,
tenho outras de ser sozinha.
Fases que vão e que vêm
no secreto calendário
que um astrólogo arbitrário
inventou para meu uso.
E roda a melancolia
seu interminável fuso!
Não me encontro com ninguém
(tenho fases, como a lua)
No dia de alguém ser meu
não é dia de eu ser sua...
E, quando chega esse dia,
o outro desapareceu...
- À mão. Aos 93 anos, continuo a ter uma caligrafia que, como grafólogo,
considero a de uma pessoa de 50. Tenho uma caligrafia muito firme, muito
direita: não arranhada pelos nervos ou pelas trepidações dos fenómenos
vasculares. É, até certo ponto, artística, à maneira da caligrafia inglesa.
Olhei para o relógio: onze horas. O dia todo, ali, a ler aos bocados, a
pensar. E sempre assim. Nunca acontecia nada. Que vontade de ir para longe,
começar uma vida nova, dizer não à doença, embebedar-me de vida, esquecer-me de
mim! A maior doença afinal era aquela força da inércia tentacular que ali me retinha
afundado no sofá, sem energia para me levantar, abrir a porta…
Jorge Luís Borges disse
um dia que, ao fim de tantos anos, ao fim de demasiados anos, chegara à
conclusão que só devemos escrever sobre aquilo de que gostamos.
Depois inventaram o Bolo Raínha, o Bolo Rei escangalhado, não sabe mais o quê.
Já antes, a ASAE mandou proibir o brinde e fava no Bolo-Rei.
Dizem que o melhor Bolo-Rei é o Confeitaria
Nacional, casa fundada em 1829, ali à Praça da Figueira. O segredo da
feitura do bolo nunca saiu portas fora. Uma tarde, por um findar de ano, esteve
hora e meia, na fila, à espera de comprar o bolo. Não por ele mas por um amigo,
chegado de Montalegre, que daquele bolo ouvira falar e nunca tinha comido.
Para ele não há problema. Gosta tanto que os come de qualquer lugar: do
Continente, do Minipreço até da padaria aqui da rua.
Gosta de Bolo-Rei, mas se o querem ver mesmo feliz é
quando o encontra fora da época. Que querem? Sempre foi assim e está velho para
mudar. Também se perde por broas castelar…
Mas pode dizer que sim, que é bom o Bolo-Rei da Confeitaria
Nacional, só que é uma opinião em que não podem ter qualquer tipo de
confiança. Está à vista o porquê.
Por ele, em certo Natal uma amiga esteve uma hora na fila
para comprar o Bolo-Rei da "Garret", ali para os estoris, Bolo-Rei
"chique, chiquérrimo", como a amiga dizia. Sim, um bom Bolo-Rei.
Tanta generosidade merecia uma pequenina mentira e disse-lhe:
"O melhor Bolo-Rei que comi até hoje!"
O sorriso valeu a mentira, o entusiasmo também:
“Vês! Eu não te dizia!..
espero que me calhe aquela fava
que é costume meter no bolo-rei:
quer dizer que o comi, que o partilhei
no natal com quem mais o partilhava
Há um pedaço de rua
onde reinam as sombras e a solidão.
Há uma frase de Maria
Judite de Carvalho: «Todos estamos
sozinhos, Mariana. Sozinhos e muita gente à nossa volta, tanta gente Mariana,e
ninguém vai fazer nada por nós.» Está sempre a ouvir que as pessoas se habituam a tudo, só não se habituam à
solidão. Aquela canção de Brel, deixa-me
ser a sombra da tua sombra, a sombra da tua mão, a sombra do teu cão, mas não
me deixes.
Dizia-lhe que antigamente chorava, agora chora pouco e, por isso, a solidão
tornava-se mais incompleta. Arrastava-se tentando administrar a sua solidão.
São muitos e não imaginamos quantos.
A solidão não pára
de crescer.
A remexer no baú de Natal deparou com o envelope contendo notícias de jornais.
Notícias de desesperos, notícias de suicídios. Hesitou, não sabe bem porquê, em
tocar no assunto. Por fim, resolveu-se. Porque o Natal não tem apenas o seu lado
brilhante.
O recorte é do Diário de Lisboa de 27
de Dezembro de 1976 e a notícia é proveniente do Porto:
«António Manuel, de 14 anos, no dia de
Natal, lançou-se de uma janela do Coliseu do Porto, tendo sido conduzido ao
Hospital de Santo António sem fala e com várias fracturas.
O jovem, que é natural do lugar de Idanha, encontra-se numa fase de
recuperação, tendo começado já a articular algumas palavras»
O jornalista fechava assim a notícia: «De acordo com estatísticas mundiais, a
quadra do Natal regista sempre uma subida de tentativas de suicídio, que alguns
psicólogos identificam com uma maior acuidade em relação à solidão em dias que
a maioria das pessoas se reúne para confraternizar.»
Uma caminhada lenta em busca de Natais suportáveis.Guerras
em todas as partes do mundo, a saúde, que deveria ser a melhor parte das nossas
vidas, aparecendo em todas as aldeias do nosso corpo. De qualquer modo, ainda
assim – que sacrifício! – pensa que o Natal é uma boa parte do ano.
Olá Charley, estou grávida
E a viver na rua 9
Mesmo por cima de uma livraria nojenta
À beira da Euclid Avenue
Deixei de meter droga
E parei de beber Whisky
O meu homem toca trombone
E trabalha no caminho de ferro
Ele diz que gosta de mim
Ainda que o bebé não seja dele
Diz que o vai criar como a um verdadeiro filho
Ofereceu-me um anel que a mãe costumava usar
E sai comigo para dançar
Todos os sábados à noite.
E Charley, penso sempre em ti
Todas as vezes que passo numa bomba de gasolina
Por causa da brilhantina que usavas no cabelo
E ainda tenho aquele disco de Little Antony e os Imperials
Mas roubaram-me o gira-discos
O que é que se há-de fazer?...
Olha Charley, quase dei em doida
Quando o Mário foi de cana
Por isso voltei para Omaha
Para viver com os meus velhos
Mas toda a gente que eu conhecia
Ou morreu ou estava presa
Então voltei para Minneapolis
E desta vez penso que vou ficar por cá
Sabes Charley, pela primeira vez desde o acidente
Parece-me que sou feliz
Só queria ter agora todo o dinheiro
Que costumávamos gastar em droga
Comprava um parque de carros usados
E não vendia nenhum
Para usar um diferente em cada dia
A condizer com a maneira como me sentisse
Oh Charley, por amor de Deus,
Queres saber toda a verdade?
Não tenho nenhum marido
Ele não toca trombone
E preciso de dinheiro emprestado
Para pagar ao advogado
E, olha, Charley, devo sair com pena suspensa
No dia de S. Valentim.
Era uma vez, lá na Judeia, um rei.
Feio bicho, de resto:
Uma cara de burro sem cabresto
E duas grandes tranças.
A gente olhava, reparava, e via
Que naquela figura não havia
Olhos de quem gosta de crianças.
E, na verdade, assim acontecia.
Porque um dia,
O malvado,
Só por ter o poder de quem é rei
Por não ter coração,
Sem mais nem menos,
Mandou matar quantos eram pequenos
Nas cidades e aldeias da Nação.
Mas,
Por acaso ou milagre, aconteceu
Que, num burrinho pela areia fora,
Fugiu
Daquelas mãos de sangue um pequenito
Que o vivo sol da vida acarinhou;
E bastou
Esse palmo de sonho
Para encher este mundo de alegria;
Para crescer, ser Deus;
E meter no inferno o tal das tranças,
Só porque ele não gostava de crianças.
O correio do Natal de 1997, trouxe-lhe um livro que
trazia dedicatória: “Mais uma vez o
Alentejo. Já que o gosto é a síntese de todos os sentidos.”
Ao folhear o livro, lembra-se de ter dito de si para si: também o gosto de
partilhar solidões…
“Aromas e Sabores”, foi um trabalho coordenado por Nádia Torres e que contou,
para o texto e ilustrações, com a participação de alunos, professores e
trabalhadores da Escola C+S de Mértola. Mais não é que um passeio sobre as
comidas de Mértola. Aqui apraz-lhe citar Alexandre Pinheiro Torres: “Porque o
Alentejo é o único sítio de Portugal onde se sabe tudo o que importa saber.”
Profusamente ilustrado, “Aromas e Sabores” prova, se necessário fosse, que a
comida alentejana não é feita apenas de pão e coentros.
Na apresentação do livro Manuela Barros Ferreira escreve:
“Palavras não matam fome, nem que digam
mil comidas. No entanto, as palavras são, para os poetas, pão do espírito,
sementes lançadas ao vento, fermentos de mudança. Podem ser doces como mel,
amargas como fel, picantes como pimenta. A comida exposta em palavras não é,
certamente, um livro de poemas. Não há qualquer prazer espiritual na leitura de
um livro de receitas. No entanto, para além dos prazeres adiados (e muito
concretos) que encerra, pode conter, como este, tudo aquilo que permite a
sobrevivência de uma população ao longo de anos e ao longo do ano.”
Tempo de Natal, este que atravessamos, no Olhar as Capas ocorreu-lhe reproduzir uma receita de filhós. Em
devido tempo experimentou a receita e achou delicioso aquele toque da
aguardente, coisa que a avó não punha nas filhós que fazia e que, apesar de, não
deixavam de ser deliciosas.
Alunos, professores e
funcionários da Escola Comercial de Mértola
Capa: Ruben Ribeiro
Edição: Câmara
Municipal de Mértola, Mértola s/d
FILHÓS
3 ovos
2 colheres de açúcar de sopa de banha
50 grs. De açúcar
3 laranjas
0,5 dl de aguardente
1 limão
Canela
Farinha
Óleo
Misturam-se os ovos inteiros, o sumo das laranjas, a banha, o açúcar, a raspa
da casca do limão e uma pitada de canela. Depois de todos os ingredientes bem
incorporados, junta-se farinha em quantidade suficiente para poder tender,
sovando bem a massa. Deixa-se descansar algumas horas e estende-se a massa com
o rolo, sobra a pedra polvilhada com farinha. Corta-se com o feitio desejado e
frita-se em óleo bem quente.
Desde Agosto que este livro andava a bichanar por
aqui.
Douglas Stuart, já premiado com o Booker Prize,
escreveu que Como Construir Um Barcoé um dos raros livros que no fazem sentir menos sós.
Elaine Feeney apenas conhecia de nome.
Gosto de descobrir novos autores.
O José Cardoso Pires dizia que lemos pelo prazer de
ler, lemos para ter inquietação.
Pode-se viver sem ler?
Penso que não, também sei que quem não lê vive pior.
Em tempos de inquietação, inquietação, é reconfortante
saber como se pode, com a leitura deste livro de Elaine Feeney, encontrar pequenas
coisas que podem mudar vidas.
Grândola Vila Morena
também poderá ser uma canção de Natal - porque é uma canção de Esperança, eternamente
lembrada nas muitas frustradas esperanças que nos vão acontecendo nestes 50
anos de Abril.
Lemos o perfil de
Almeida Contreiras e isso traz-nos de arrasto o militar que nos pretendem impingir
como futuro presidente da república.
Entretanto, João
Pedro Pincha colocava, na edição do Público
de 3 de Dezembro, a notícia que o
Atlântida Cine, o último cinema de bairro da linha de Cascais, está à venda.
O Atlântida Cine
abriu portas em 1983 na cave do Centro Comercial de Carcavelos. Em Maio
anunciou um encerramento temporário com a velha lenga-lenga que o encerramento
servia para «férias e obras de
melhoramento».
No Facebook do
Atlântida surgiram muitas mensagens: «Voltem
rápido! Melhor cinema da linha», «O Atlântida é um bem cultural raro. Não se
pode perder».
Fonte da autarquia de
Cascais já confirmou que já iniciou conversações para a compra do Atlântida.
Também sabemos destas
lengas-lengas.
A linha de Cascais
chegou a ter uma razoável quantidade de salas de cinema. O Atlântida era a
última.
O repórter finaliza a
notícia dando conta que «as sessões eram precedidas por Nat King Cole, Ella
Fitzgerald e outras vozes do jazz. O gong suava duas vezes e a cortina abria-se
de par em par enquanto as luzes diminuíam.
Os últimos filmes a
serem exibidos foram a Natureza do Amor
e Ainda Teremos Amanhã. Os cartazes
ainda lá estão».
Sempre se foi dizendo
que a televisão haveria de roubar espectadores ao cinema!...
Hoje, no Público,
o crítico Luís Miguel Oliveira classifica o último filme de Clint Eastwood,
como «um gigantesco filme», arrepiante, que não poderá ser visto nas salas de
cinema, apenas poderá ser na plataforma Max.
Miguel Oliveira, na crítica que faz ao filme realça
este pormenor:
«…quando o advogado pergunta ao único jurado negro do
painel se ele já esteve envolvido em situações de violência familiar e o homem
lhe responde “vai perguntar isso a todos ou só a mim?”.»
O escultor José Dias Coelho foi
assassinado pela PIDE no dia 19 de Dezembro de 1961, na Rua da Creche, junto ao
Largo do Calvário. rua que hoje tem o seu nome.
O assassinato está assinalado na canção de José Afonso A
Morte Saiu à Rua do álbum Eu Vou
Ser Como a Toupeira, gravado em 1972, letra de António Quadros
(pintor), música de José Afonso.
Antes de ser assassinado, José Dias Coelho estivera em
casa de Mário Castrim que, na altura, morava na Rua Luís de Camões, perto da
estação dos carros eléctricos de Santo Amaro.
No livro Viagens,
o poema Viagem Através de Uma
Fatia de Bolo-Rei, Mário Castrim pormenoriza as últimas
palavras, os últimos momentos de vida de José Dias Coelho:
Corria o ano de
1961.
Estávamos à porta do Natal.
Eram quase duas horas da manhã
e eu
perguntei-lhe
se queria comer
alguma coisa.
Disse que sim.
Mas que
estava com muita
pressa.
Enquanto vestia
a gabardina, trouxe-lhe
uma sanduíche de
fiambre
um copo de vinho
uma fatia de
bolo-rei.
Estava de pé
comia como se
fosse a primeira vez
desde a
infância.
- Há quantos
anos
deixa cá ver
há quantos anos
é que eu não comia
bolo-rei?
Este é bom, sabe
a erva-doce
e a ovos.
(Caíam-lhe
migalhas
aparava-as com a
outra mão
em concha)
- Comes outra
fatia, camarada?
- Isso não.
Estou atrasado
já.
Mas se ma
embrulhasses...
Através da
janela
do quarto às
escuras
fico a vê-lo
atravessar a Rua da Creche
seguir pela Rua
dos Lusíadas.
Nenhum de nós
sabia
que estava já
erguida a pirâmide do silêncio
à espera dele
num breve prazo.
Quando talvez o
gosto do bolo-rei
mais forte do
que nunca
tivesse ainda na
boca.
Funcionário clandestino do Partido Comunista, José Dias
Coelho seguia pela Rua dos Lusíadas, quando cinco agentes da PIDE, saltaram de
um automóvel e alvejaram-no, à queima-roupa, com um tiro no peito, e dispararam
outro tiro quando já se encontrava por terra.
Legenda: A imagem de topo é uma gravura de
José Dias Coelho, representando o operário Cândido Martins, assassinado na
frente da manifestação do Barreiro contra a burla eleitoral e publicada
no “Avante” nº 130 de
Novembro de 1961. Para a que seria a sua última gravura, José Dias Coelho
escreveu: «De todas as sementes
deitadas à terra, é o sangue derramado pelos mártires que faz levantar as mais
copiosas searas.»
Trabalha agora na importação
e exportação. Importa
metáforas, exporta alegorias.
Podia ser um trabalhador
por conta própria,
um desses que preenche
cadernos de folha azul com
números
de deve e haver. De facto, o que
deve são palavras; e o que tem
é esse vazio de frases que lhe
acontece quando se encosta
ao vidro, no inverno, e a chuva cai
do outro lado. Então, pensa
que poderia importar o sol
e exportar as nuvens.
Poderia ser
um trabalhador do tempo. Mas,
de certo modo, a sua
prática confunde-se com a de um
escultor do movimento. Fere,
com a pedra do instante, o que
passa a caminho
da eternidade;
suspende o gesto que sonha o céu;
e fixa, na dureza da noite,
o bater de asas, o azul, a sábia
interrupção da morte.
«Desejamos-lhe um Feliz Natal
este é o tempo da boa vontade
entre todas as pessoas
e os seus comerciantes
Não saia de casa sem o seu cartão de crédito
ou de débito
e não se esqueça
que se não oferecer aos amigos
tudo o que eles não desejaram
(peúgas, bibelots, tachos e abat-jours)
eles deixarão de ter respeito por si
e abandoná-lo-ão à porta do centro comercial
como qualquer trapo inútil
vazio e triste.»
Um livro grosso, alto, largamente ilustrado com
fotografias, que entrou na Biblioteca da Casa em Maio de 1967, trazido, de Roma,
por um amigo do meu pai, editado em francês pela Novosti, sem indicação de data.
Aborda uma das muitas terríveis guerras que o mundo já viveu e que ocorreu de de 1 de
Novembro de 1955 até à queda de Saigão em 30 de Abril de 1975, e travada entre
o Vietnam do Norte e o governo do Vietnam do Sul. O exército
norte-vietnamita era apoiado pela União Soviética, China e
outros aliados comunistas, enquanto os sul-vietnamitas eram apoiados
pelos Estados Unidos, Coreia do Sul, Austrália e outras
nações anticomunistas.
Desta guerra disse, em Maio de 1967. o norte-americano Cardeal Spellman:
O Século de Fevereiro de 1973 reproduzia um artigo de Peter Goldman, lembrando as palavras do presidente Nixon sobre o fim da guerra no Vietnam.
Cerca de três milhões de vietcongs mortos, incluindo dois
milhões de civis.
Cerca de 60mil militares norte-americanos mortos, grande
parte negros e latino-americanos. Foram gastos 220 mil milhões de dólares, 300 mil vietnamitas desaparecidos, 1800 americanos desaparecidos.
Calcula-se que, para matar um vietcong, os Estados Unidos gastaram 675 mil
dólares.
Foram transportados 10 milhões de americanos em aviões
comerciais.
Foram utilizadas 15,35 milhões de toneladas de bombas.
Ainda hoje morrem vietnamitas, vítimas de minas e bombas
não deflagradas. Desconhecem-se quantas minas, bombas e obuzes continuam por
explodir.
Aretha Franklin
gravou, ao vivo, Amazing Grace em
Janeiro de 1972 na New Temple Missionary Baptist Church em Los Angeles , com o
reverendo James Cleveland e o Southern California Community Choir.
Simplesmente
arrepiante.
Como observou um
crítico: parece que Deus e os anjos estão a cantar ao lado de Aretha.
Nos 500 maiores álbuns
de todos os tempos, Amazing Grace ocupa a posição nº 154.
Tóquio adopta semana
de quatro dias para tentar o aumento da natalidade.
A partir de Abril de 2025, os trabalhadores da administração pública de Tóquio
irão trabalhar apenas quatro dias por semana. A medida é mais um dos passos
para reverter as baixas taxas de natalidade do Japão nos últimos anos. O país
está a caminho do 16.º ano de declínio da população.
3.
As fortunas
mundiais superiores a mil milhões de dólares aumentaram 121% entre
2015 e 2024 e o número de multimilionários passou de 1757 para 2682,
segundo o relatório anual sobre grandes patrimónios elaborado pelo banco UBS.
4.
De uma crónica Gonçalo M. Tavares no Expresso:
«Um escritor uma vez disso: “Há dois tipos de pessoas.
Evite os dois».
5.
Mil dias da invasão
russa por terras da Ucrânia.
Lido por aí: concluir
que nem Joe Biden, nem a NATO alguma coisa fizeram para evitar a guerra, antes
pelo contrário: desejaram-na!
6.
Platão, citado por Mia Couto:
«Há três espécies de homens: os vivos, os mortos e os que
andam no mar.»
7.
De uma crónica de Ana Cristina Leonardo publicada no
Público:
«O divertissement implica
tempo, claro. Um tempo parado, contemplativo, contrário ao tempo da aceleração
exponencial. E as brincadeiras dos cães lembraram-me agora uma história. Uma
história por demais conhecida. Contava-a António Alçada Baptista:
Andava o Padre Anchieta por terras do Brasil. Com pressa no chegar, pede o
jesuíta aos índios que lhe transportam a tralha que sejam despachados no passo.
O destino fica longe, a dias de caminhada. No primeiro dia os índios foram
céleres, assim como no segundo. Inesperadamente, ao terceiro descansaram.
Surpreendido, pergunta-lhes o padre pelo motivo da pausa. A explicação chegou
rápida e era simples: “Temos vindo demasiado depressa e a nossa alma ficou para
trás. Temos de esperar por ela para podermos continuar”.»
8.
Recorte retirado da
página de Economia do Expresso de 22 de Novembro.
«Como quem ouve uma melodia
muito triste, recordo a casinha em que nasci, no Caleijão. O destino fez-me
conhecer casas bem maiores, casas onde parece que habita constantemente o
tumulto, mas nenhuma eu trocaria pela nossa morada coberta de telha francesa e
emboçada de cal por fora, que meu avô construiu com dinheiro ganho de riba da
água do mar. Mamãe velha lembrava sempre com orgulho a origem honrada da nossa
casa. Pena que o meu avô tivesse morrido tão novo, sem gozar direitamente o
produto do seu trabalho.
E lá toda a minha
gente se fixou. Ela povoou-se das imagens que enchiam o nosso mundo. O nascimento
dos meninos. O balanço da criação. O trabalho das hortas e a fadiga de mandar
a comida para os trabalhadores. A partida de Papai para a América. A ansiedade
quando chegavam cartas. Os melhoramentos a pouco e pouco introduzidos com os
dólares que recebíamos. Mamãe deslisava como uma sombra silenciosa no tráfego
da casa. Mamãe-Velha não parava, indo de um lado para outro, como se nada
pudesse fazer-se sem a sua fiscalização e os seus gritos. A minha avó só sabia
querer a sua gente descompondo.»
Este é o meu lugar de exílio. Aqui me depositaram a meu pedido e por
minha livre vontade, vinda de casa dos meus pais, e onde não mais voltarei,
também por minha livre determinação. A vida é um arco, tem oi seu começo e o
seu fim, inicia-se num berço, e faz o seu voo ascendente, e a partir de certa
altura a curva desce até nos entregarmos à terra, de novo dentro de uma caixa
de madeira que em nada difere de um berço.