terça-feira, 21 de janeiro de 2025

UMA ESTRANHA CERTEZA

Durante muitos anos, com frequência

me lembrei de ti, ou da tua imagem,

para ser mais exacto, pois daquilo

que uma vez amamos só nos resta

(tal como de um livro) uma muito vaga

impressão geral e algum episódio.

E com frequência também me perguntei,

procurando entre a névoa da lembrança

não sei se uma resposta, o que deixaste

em mim que continue meu ainda

e se não foi o amor, o meu amor por ti

e não tu própria, o que me importa ainda

e o que procuro ainda ao recordar-te.

Se a nossa vida arde, somos chama

ou aquilo que se queima e é a cinza?

Nessa desmesura que é o tempo

acham sua razão amor e esquecimento,

mas não sua medida. Ao recordar-te,

compreendo-o tão bem, que pouco importa

saber ou não saber, mas tão-somente

sentir que foste parte de mim mesmo,

que estás dentro de mim, tal os meus sonhos,

que são e não são eu, mas em mim nascem,

que já nunca de mim vais apagar-te,

que, queira ou não queira eu o esquecimento,

hás-de ir vivendo com a minha vida.

Que estranha sensação essa certeza

 

Abelardo Linares, encontrado aqui.

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