sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

SE TE CRIEI NÃO SEI

Se te criei não sei

nem se te quero assim

nem se é de ti que falo imagem que contemplo ou imagino

ou falo só de mim


As cores que antes espalhei e apaguei

sob outras cores em vão chamadas tão intensas sempre voltam

que em seu rumor afogam

tudo o que em volta ainda há ou houve ou haveria


Na floresta de lume quero ver bem e despegar-te

de mim mesmo e definir-te e definir-me e entender

onde este mudo apelo acaba e principia

Saber enfim não mais esperar-te ou inventar-te ou modelar-te

serena turva imagem destes dias sem destino

deles mesmos tecida em morte ou recomeço


E apenas sei

que em teus olhos sem cor feitos de mágoas e de mudança

luz um país que não vê e onde me vejo

e ao meu desejo inda para lá de todo o desespero e toda a esperança

num outro eu amanhecendo


Apenas sei sabendo que não sei

que é tempo de me ver para não te ver E cego só entendo

que neste halo a que me rendo ou eu mesmo entreteço

só não me vendo deixaria

de ver-te aqui de minhas mãos nascendo

 

Mário Dionísio em Cerejas

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