domingo, 30 de dezembro de 2012

OS CLÁSSICOS DO MEU PAI



Se por cá ainda andasse, o Sr. Francisco de Freitas Santos, meu pai e o meu ouvinte mais inteligente, fazia hoje 100 anos e estaria agora à mesa, a contar histórias, a despejar garrafas de tinto e com uma ponta de melancolia pelos milhares de cigarros Unic que fumou.
Reverter o olhar para antigamente e saber que por muito que pudesse dizer, as palavras não chegavam, a memória sufocava em hiatos de quem um dia teve a mania que essa memória seria de elefante.
Este disco do Domenico Modugno foi comprado pelo meu pai, Discoteca Universal, 26 de Julho de 1967 e custou cinquenta e cinco escudos.
As suas constantes caminhadas em busca de versões de La Mamma.
Acontece que o EP do Modugno tem uma canção que se chama Stasera Pago Io e que o meu pai logo

elegeu como uma das suas favoritas.
A canção em si e o gosto que ele tinha em pagar o petisco, os copos.
De certeza certa, apenas sei de me ter deixado pagar os copos e o resto, em duas ocasiões: quando os meus filhos nasceram.
Quando outros dizem as coisas melhor do que digo, não é difícil, desço pela esquerda  baixa e dou entrada ao José Agostinho Baptista:

EVOCAÇÃO
Que fazer com esta saudade,
como trazer hoje para junto de mim os
barcos que passavam noutros tempos,
ao largo de outra cidade,
quando me sentava sem palavras,
sem violinos,
e bebia sem fim,
como hei-de dizer-te, pai, que não levei as tuas
cinzas no fundo do coração,
que não pedi aos músicos do sonho para
tocarem a mais bela marcha fúnebre,
no campo santo das ilhas aonde não
regressei.
Tenho medo, tenho frio.
Dói, oh, como dói
a  noite que se aproxima, sem um abraço,
sem um amigo,

sem um punhal que rasgasse para
sempre este corpo imóvel,
com todas as sua janelas fechadas onde
já não vem cantar o melro dos teus
ninhos, pai,
onde só as ervas da amargura sobem
os muros,
e definitivamente só,
entro neste túnel eterno, sem uma luz ao
fundo.



3 comentários:

Anónimo disse...

Não é vergonha dizer que me comovi, que me lembrei do meu
querido pai, sempre com um sorriso
e o muito amor que ele me tinha
sua única filha. Foi enterrado
numa véspera de Natal. Tinha 53
anos!. Teria feito em Março deste
ano, 100 anos.Saudades sem fim
eu tenho dele.
Falei dele, foi bom!
Agradeço as suas recordações, que
acordaram as minhas.
M.Júlia

sammy,o paquete disse...

Há uma frase, atribuída ao Wenceslau de Moraes, que diz: "A dor não dura muito, não pode durar muito: a saudade dura sempre."
Obrigado pelas palavras.
Um abraço.

ié-ié disse...

Abraço, camarada!

LPA