Quando eu era criança, o Natal entristecia-me. A desusada agitação dos
adultos, a mãe metida na cozinha, o cheiro a fritos (as filhoses, as rabanadas,
os sonhos) pela casa, as prendas, que me pareciam apenas uma rotina cabisbaixa
(e porquê não poder abri-las antes da meia-noite?), o desolador menu da ceia
(bacalhau! eu que imaginava a felicidade sob a forma de um bife com batatas
fritas!), tudo me fazia detestar o Natal. Só a construção do presépio me
animava; com musgo e com algodão em rama imaginava campos e colinas cobertos de
neve; um sinuoso caminho de serradura subia até à gruta, onde o Menino jazia
deitado num ninho de pintarroxo (ainda hoje o tenho, a esse ninho); a vaca e o
burro eram desproporcionados em relação ao tamanho do Menino, mas os meus pais
sempre se recusaram a comprar outros; e o rei Mago preto tinha-se partido
noutro natal e, no seu lugar, estava agora um jogador do Sporting, com bola e
tudo!
Como a infância, o Natal é algo que só podemos ter quando o perdemos.
Quando somos crianças, o Natal é próximo de mais, e real de mais, para ser
verdadeiro. Só a memória (e a memória construímo-la como construímos um
presépio: com pedaços) o torna verdade. E só a memória nos permite saber,
enfim, algo essencial: que o Menino da manjedoura éramos nós.
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