quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

RECANTOS DO NATAL


Na província não neva (o poeta é um fingidor) e, mesmo que nevasse, nunca passei um Natal na província. Também nunca passei um Natal na neve ou com neve. Confesso que tenho alguma inveja. Um Natal, como esses da Judy Garland em Meet Me in St. Louis, com muitos bonecos de neve e a dita a bater leve, levemente. «Have your self a merry Little Christmas». Também a mim o Natal, em províncias technicoloridas e lares aconchegados me faz sonhar saudades.
Mas não se pode ter tudo. Sobretudo não se deve mal-agradecido. Os meus natais lisboetas e sintrenses já dão pano para mangas, atravessando quatro – ou cinco – gerações felizes, ou imaginariamente felizes, em noites de tantíssimos anos, de tanta gente que já dos meus olhos se apartou ou que aos meus olhos começa a aportar. Quantos foram? Horror, a alembrança das datas? Horror não é palavra que rime com os meus Natais nem com as minhas lembranças. Dos antiquíssimos que recordo, era eu dos mais crianças, aos recentíssimos, sou eu dos mais velhos, a sucessão é boazissimamente boa, e o Natal fica-me bem como eu fico com ele.
Por isso, não esperem de mim conversas de maldição à sociedade de consumo, de raiva à paganização, de mentira às famílias, conversas «desmistificadoras». Natal de manhãzinha ou noite dentro, de rabanadas e perus, de missas do galo e de presépios, de sapatinhos ou de chaminés, de tudo conheci e de todos vivi. E não os troco por nada.

João Bénard da Costa em Crónicas: Imagens Proféticas e Outras, 2º volume, Assírio & Alvim, Lisboa Novembro 2010

Legenda: imagem do filme Meet Me In St. Louis

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