Coimbra, 26 de Dezembro de 1977
Chego e leio a notícia do falecimento de Charlie Chaplin. E, quase sem
eu querer, a imagem do Charlot a que deu vida e universalidade sobrepõe-se
instantaneamente no meu espírito à do seu criador, numa consoladora sensação de
luto aliviado. Sim o mundo está mais pobre. Um génio que o habitava desapareceu
para sempre. Só que esse génio de tal maneira se transmutou na sua criatura,
que de há muito ela lhe ocupa o nicho no altar dos meus santos. É, de facto, o vagabundo
do bigodinho, das calças largas e rotas, das botas cambadas, do coco e da
bengalinha que vive entronizado na minha admiração, desde que na juventude o vi
pela primeira vez na pele de um D. Quixote cordo e travesso a desafiar os
gigantes da ordem estabelecida como se eles fossem moinhos de vento. O
Zé-ninguém a arteiro de A Quimera do Ouro, do Circo e dos Tempos
Modernos, que nunca vence nem é vencido,
que não desiste mesmo quando parece abandonar a luta, que sabe encontrar sempre
o largo caminho da liberdade em todos os becos sem saída, é que é meu
semelhante, é que irradia calor humano, é que infunde coragem e dá esperança, é
que me espevita a imaginação. E esse, graças a Deus, não morreu nem morrerá.
Legenda: final de Tempos Modernos.
2 comentários:
Não conhecia o texto... notável!
E, já agora, meus amigos, o desejo de boas festas!
Também um grande abraço para ti, mesmo tendo em conta que tudo está tão difícil...
Enviar um comentário