Quando recobraram um pouco as forças, dirigiram-se a
pé para Lisboa. Restava-lhes algum dinheiro, com o qual esperavam escapar da
fome depois de se terem salvo da tempestade.
Mal puseram pé na cidade, chorando a morte do seu
benfeitor, sentem a terra tremer-lhes debaixo dos pés; o mar ergue-se em cachão
no porto e desfaz os navios que estavam ancorados; turbilhões de chamas e de cinzas
cobrem as ruas e as praças públicas; as casas desabam, os telhados caem e os
alicerces dispersam-se. Trinta mil habitantes, de todos os sexos e idades,
ficam esmagados sob as ruínas. O marinheiro, assobiando e praguejando, dizia:
- Aqui teremos alguma coisa a ganhar.
- Qual será a razão suficiente deste fenómeno? - dizia
Pangloss.
- Isto é o fim do mundo! - exclamava Cândido.
O marinheiro corre imediatamente para o meio das
ruínas, afronta a morte para encontrar dinheiro, encontra-o, rouba-o,
embriaga-se e, depois de ter cozido a bebedeira, compra os favores da primeira
mulher de boa vontade que lhe aparece nas ruínas das casas destruídas e no meio
dos mortos e dos moribundos, dizendo-lhe:
- Meu amigo, não está certo o que fazeis.
Desrespeitais a razão universal e empregais mal o vosso tempo.
Voltaire em Cândido.
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