quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

OLHAR AS CAPAS


Poemas Com Endereço

Alexandre O’Neill
Colecção Circulo de Poesia nº 19
Livraria Morais Editora, Lisboa, 1962

No reino do Pacheco
                             (Colaboração para um almanaque)

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Querer viver (deixai-nos rir!)
seria muito exigir...
Vida mental? Com certeza!
Vida por detrás da testa
será tudo o que nos resta?
Uma ideia é uma ideia
- e até parece nossa! -
mas quem viu uma andorinha
a puxar uma carroça?
Se à ideia não se der
o braço que ela pedir,
a ideia, por melhor
que ela seja ou queira ser,
não será mais que bolor,
pão abstracto ou mulher
sem amor!

Às duas por três nascemos,
às duas por três morremos.
E a vida? Não a vivemos.

Neste Reino do Pacheco
- do que era todo testa,
do que já nada dizia,
e só sorria, sorria,
do que nunca disse nada
a não ser prà galeria,
que também não o ouvia,
do que, por detrás da testa,
tinha a testa luzidia,
neste reino do Pacheco,
ó meus senhores que nos resta
senão ir aos maus costumes,
às redundâncias, bem-pensâncias,
com alfinetes e lumes,
fazer rebentar a besta,
pô-las de pernas pró ar?

Por isso, aqui, acolá
tudo pode acontecer,
que as ideias saem fora
da testa de cada qual
para que a vida não seja
só mentira, só mental...

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