Rumor Branco
Almeida Faria
Prefácio:
Vergílio Ferreira
Capa: João da
Câmara Leme
Portugália
Editora, Lisboa, Dezembro de 1962
e o mundo nada pode
contra nós assim o meu último dia será de glória porque o sol brilha
sempre antes de desaparecer tudo ficou com a presença indelével de ti só no ar
uma estranha saudade revelada sem mais forças para escrever certo de que vou
morrer aqui deixo feito sem qualquer esmero o poema do meu desespero coitado
daquele rapaz que hoje morreu a meu lado lutando viera para a guerra com os
sonhos todos que os homens cruéis ainda lhe permitiam deixou lá longe a jovem
que o amava tanto e no ventre tinha um filho dele deixou quiçá a mãe e o pai
chorando na sua dor anónima e profunda e trazia no bolso da camisa grossa um
livro com versos que a mim só leria envergonhado quase nas longas noites
inquietantes cortaram-lhe a vida que despontava verde contudo enorme e bela
visto como era vida e deixaram-no frio sozinho hirto com moscas já sobre os
espantados olhos e o retrato da moça cheio de sangue ficara como se ela também
acaso fosso morta e a saudade dos pais reprodutora diluiu-se no ar cheirando a
pólvora ardida e os poemas foram queimados na fogueira para dos inimigos a
angústia esquecendo aquecer e a vida prosseguiu inconsciente e indiferente e
errada e certa entre os homens e as damas duma elegante sala passei eu sujo e
esfarrapado e cheio duma plenitude que em mim desconhecia e disse-lhes tudo o
que sentia tudo o que sabia tudo o que queria dizer e o que não queria mas sim
sem querer eles claro maleducado me chamaram ou insociável, ou pateta ou poeta
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