terça-feira, 14 de abril de 2015

OLHAR AS CAPAS


Rumor Branco

Almeida Faria
Prefácio: Vergílio Ferreira
Capa: João da Câmara Leme
Portugália Editora, Lisboa, Dezembro de 1962

e o mundo nada pode  contra nós assim o meu último dia será de glória porque o sol brilha sempre antes de desaparecer tudo ficou com a presença indelével de ti só no ar uma estranha saudade revelada sem mais forças para escrever certo de que vou morrer aqui deixo feito sem qualquer esmero o poema do meu desespero coitado daquele rapaz que hoje morreu a meu lado lutando viera para a guerra com os sonhos todos que os homens cruéis ainda lhe permitiam deixou lá longe a jovem que o amava tanto e no ventre tinha um filho dele deixou quiçá a mãe e o pai chorando na sua dor anónima e profunda e trazia no bolso da camisa grossa um livro com versos que a mim só leria envergonhado quase nas longas noites inquietantes cortaram-lhe a vida que despontava verde contudo enorme e bela visto como era vida e deixaram-no frio sozinho hirto com moscas já sobre os espantados olhos e o retrato da moça cheio de sangue ficara como se ela também acaso fosso morta e a saudade dos pais reprodutora diluiu-se no ar cheirando a pólvora ardida e os poemas foram queimados na fogueira para dos inimigos a angústia esquecendo aquecer e a vida prosseguiu inconsciente e indiferente e errada e certa entre os homens e as damas duma elegante sala passei eu sujo e esfarrapado e cheio duma plenitude que em mim desconhecia e disse-lhes tudo o que sentia tudo o que sabia tudo o que queria dizer e o que não queria mas sim sem querer eles claro maleducado me chamaram ou insociável, ou pateta ou poeta

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