sexta-feira, 4 de setembro de 2015

CONDIÇÃO HUMANA


Portugal conhece bem o problema dos refugiados. O fim do império foi acompanhado pela chegada de centenas de milhares de "retornados", que na verdade eram refugiados nacionais fugindo para salvar a vida, como é o caso de todos os refugiados. Em 1974 e 1975, o Império caiu, mas não o Estado. Mesmo os portugueses nascidos em África regressaram a uma casa que era sua, com leis e políticas de acolhimento. Mas Portugal conheceu também os refugiados que perderam tudo. A filósofa judia alemã Hannah Arendt e o seu marido residiram na Rua da Sociedade Farmacêutica, n.º 6, em Lisboa, entre janeiro e maio de 1941, à espera do navio para Nova Iorque. Ela pertencia à categoria de refugiados sem Estado e sem pátria. Vítimas do Leviatã que os deveria proteger. Em 1943, já em solo americano, ela escreveu: "Perdemos o nosso lar, ou seja a familiaridade da nossa vida quotidiana. Perdemos a nossa profissão, ou seja a segurança de termos alguma utilidade neste mundo. Perdemos a nossa língua materna, ou seja as nossas reações naturais, a simplicidade dos gestos e a expressão espontânea dos nossos sentimentos. Deixámos os nossos pais nos ghettos da Polónia e os nossos melhores amigos foram assassinados em campos de concentração, o que significa que as nossas vidas privadas foram destruídas." As palavras de Arendt poderiam ser repetidas por muitos daqueles que fogem hoje das garras do Estado Islâmico, e das ruínas de sociedades destruídas. Politicamente, a Europa ainda não percebeu o problema. Mas os Europeus, como indivíduos, parece que sim. Quando as famílias islandesas se propõem receber 50 000 refugiados (o que corresponde a um sexto da sua população!), isso significa que a ética essencial não foi esquecida: quando o "deus mortal" cai, as pessoas só se têm uma às outras.

Viriato Soromenho Marques, hoje, no Diário de Notícias

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