quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

O COMBOIO DAS 23 HORAS E 28 MINUTOS


No tempo em que havia jornais, compostos e impressos à moda antiga, havia uma regra de ouro: não perder os comboios.
Mário Zambujal, jornalista que viajou por A Bola, Diário de Lisboa, O Século, Diário de Notícias, alguns mais, estava em O Século no Verão Quente de 1975, tempos tão tumultuosos como gratificantes.
Foi numa velha entrevista ao Mário Zambujal que li, bem contadinha como só ele sabe, a história dos jornais não poderem perder os comboios.
O Zambujal, conta-a assim:

…estávamos no auge de 75. Vivi o 25 de Abril e tudo o que se seguiu com muita emoção e alegria... mas acontece que sou muito profissional. O comboio das 23 horas e 28 minutos é o comboio das 23 horas e 28 minutos. E começámos a perdê-lo muitas vezes, por isto e por aquilo, sempre com explicações muito sérias e plausíveis. Mas para mim isso era inaceitável: não se pode perder nunca o comboio. Vale para jornais e para o resto.
Sei que havia muito rebuliço, mas bati-me sempre contra. Não contra o rebuliço: contra o perder-se o comboio. Não aceitava isso. O trabalho tinha que estar à frente. Mas o cansaço, apesar de tudo, vinha mais do rebuliço interno, uns contra os outros e, ainda por cima, gente de quem eu era amigo colocada nos dois lados da barricada.
Sou muito amante da paz, da concórdia, de ambientes agradáveis e aconteciam coisas do quilé. Um dia até tive que travar à última hora uma edição que ia aparecer com o Roby Amorim, do MRPP, como director... O Roby, era um grande jornalista e de quem eu gostava. Mas as coisas estavam a ficar azedas e eram golpadas atrás de golpadas. Individualmente dava-me bem com todos, mas já não aguentava mais.
Nessa altura disse: vou-me embora, quero ir para as Berlengas.


Legenda: fotograma do filme Deadline de Richard Brooks com Humphrey Bogart

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