domingo, 10 de janeiro de 2016

OLHAR AS CAPAS


Alentejo Não tem Sombra

Antologia de Poesia Contemporânea sobre o Alentejo,
Organizada por Eugénio de Andrade,
Com uma pintura de Armando Alves e outra de Jorge Pinheiro
Colecção O Aprendiz de Feiticeiro nº 2
Editorial O Oiro do Dia, Porto, Primavera de 1982


A Cortiça

É preciso dizer-se o que acontece
            no meu país de sal
há gente que arrefece      que arrefece
                  de sol a sol
                 de mal a mal.
É preciso dizer-se o que acontece
             no meu país de sal.

Passando o Tejo       para além da ponte
              que não nos liga a nada
                   só se vê horizonte
                          horizonte
                  e tristeza queimada.

É preciso dizer-se o que se passa
           no meu país de treva:
uma fome tão grande que trespassa
         o ventre de quem a leva.
É preciso dizer-se o que se passa
           no meu país de treva:

mal finda a noite       escurece logo o dia
                e uma espessa energia
                feita de pus no sangue
                    de lama na barriga
      nasce da terra exangue e inimiga

É o vapor da sede       é o calor do medo.
                  a cama do ganhão
                 a casca do sobredo.
                  É o suor com pão
          que se come em segredo.

É preciso dizer-se o que nos dão
      no meu país de boa lavra
aonde um homem morre como um cão
                à míngua de palavra:

Por cada tronco desnudado       um lado
              do nosso orgulho ferido
         e por cada sobreiro despojado
     um homem esfomeado e mal parido.

                         Ah não, filhos da mãe!
                         Ah não, filhos da terra!
                         Os enjeitados também vão à guerra.

José Carlos Ary dos Santos em Resumo

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