Nunca estive na mesma sala que José Duarte. Falei, algumas vezes, com o autor do programa de rádio Cinco Minutos de Jazz ao telefone por motivos profissionais. E, no entanto, a notícia da morte dele, na passada quinta-feira, enlutou-me.
Se
gosto de música (de jazz e
de muitas outras), se penso ideologicamente do lado progressista da política,
devo isso ao trabalho de muitas pessoas e uma delas, desde os meus 10/11 anos,
foi o trabalho de José Duarte: os seus programas na rádio e na televisão, os
seus artigos, os seus livros deram-me centenas de horas de prazer, toneladas de
saber e possibilidades infinitas de reflexão - uma dívida que nunca agradeci.
Vou
tentar retribuir, aqui, citando uma parte da comunicação que José Duarte fez
no Congresso dos Jornalistas de
1998.
Há
25 anos, era Bill Clinton presidente da América, José Duarte, em defesa da
ideia de que a comunicação social deveria dar mais espaço e relevância às artes
e à música, sobretudo às que não são conhecidas da maioria das pessoas, fez um
paralelo entre o papel do jazz e
o papel dos jornalistas.
Penso
que não era mau nós, jornalistas, voltarmos a escutar, nestes tempos de bolhas
comunicacionais, pensamentos únicos e orgulhosa intolerância perante a
diferença, lermos com atenção o que se segue:
"Um
jornalista, qualquer jornalista deve ser uma individualidade culta, com atenção
a áreas que ultrapassam a sua área de atuação.
Quem
sabe que um penálti é quase golo garantido deve saber que Parker não foi quem
inventou as canetas de tinta permanente, mas sim um saxofonista genial.
Tal
como quem sabe os solos de Miles Davis de cor deve saber que Clinton toca
(saxofone) tenor e pode decidir sobre bombardeamentos.
"Os programas [de José Duarte]
na rádio e na televisão, os seus artigos, os seus livros deram-me centenas de
horas de prazer, toneladas de saber e possibilidades infinitas de reflexão -
uma dívida que nunca agradeci."
Todos
lutamos por um povo culto com jornalismo culto e ser culto é reconhecer e
conhecer Outras Culturas, Outras Músicas, que são a propósito delas as minhas
principais denúncias.
Um
especialista - também se sabe - é todo aquele que cada vez sabe mais de cada
vez menos.
Um
jornalista não deve ser um especialista cego, mudo e surdo em relação a outras
áreas essenciais que não a sua.
Quantas
vezes deparei e deparo com um certo, quase sempre assumido, hábito de
marginalizar informações sobre áreas desconhecidas da maioria, como se alinhar
pela maioria fosse condição obrigatória, indispensável ou única sequer.
Apoiar
um programa de rádio, a sua programação, um concerto, uma referência a uma
gravação de músicas diferentes é atitude profissional sempre a avaliar.
Claro
que sei que há jornalistas da especialidade, que sei nada de golfe e de outras
tantas atividades; refiro-me, sim, à abolição da atitude de marginalização de
áreas de Culturas de minorias, musicais e outras.
(...)
Jornalistas
são personalidades com grandes responsabilidades culturais, sejam eles quem
forem dentro da organização de uma publicação que serve a informação pura,
simples.
Paz
e igualdade na informação para Outras Artes, Outras Músicas é uma exigência
incontornável.
Respeitar
o que se desconhece é outra.
(...)
O Jazz quando escrito (coisa
rara), é escrito em papel, papel que passa a ser O Papel do Jazz
Por
outro lado, o papel do jazz é
um papel de permanente criatividade, de constante imprevisibilidade, de
incansável imaginação, papel de saudável iconoclastia, investigação e falta de
respeito pelo óbvio, papel, pois, da frente, papel progressista.
(...)
O
papel do jazz é
também o papel de qualquer jornalista."
Se
substituir as palavras "música", "artes" ou
"cultura" por outras áreas de cobertura jornalística como
"política", "internacional" ou "economia", o
pensamento que aqui deixo é totalmente replicável.
Vou
ser mais específico e glosar a parte final do texto de José Duarte,
substituindo a palavra "jazz"
por "jornalismo": "O papel do jornalismo é um papel de
permanente criatividade, de constante imprevisibilidade, de incansável
imaginação, papel de saudável iconoclastia, investigação e falta de respeito
pelo óbvio, papel, pois, da frente, papel progressista".
Assino
por baixo - o jornalismo é como o jazz...
e precisa de swing, que anda escasso.
Pedro Tadeu no Diário de Notícias de
hoje.
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