Estamos
com o livro de Armando Silva Carvalho «Sentimento
de um Acidental», editado em 1981.
O
capítulo chama-se «Isto faz-me Impressão»
e o autor apresta-se a esclarecer:
«Isto
faz-me impressão» - desabafo de Amália Rodrigues ao verificar que estavam a
gravar uma actuação sua no Café Luso, há muitos anos.
Que
isto seja entendido como reconhecimento a uma Voz que nunca me largou na vida.»
Existem!
São
aqueles de que gosto muito e por isso cito «Com
Que Voz» de Amália Rodrigues, gravado em Janeiro de 1969, um disco
perfeito.
A
criteriosa escolha dos poemas que Amália canta, a música de Alain Oulman.
Mas
está por lá um poema que marca toda uma diferença.
Chama-se
«Gaivota» e tem autoria de Alexandre O’ Neill.
Para
contar histórias sobre a canção, sirvo-me do livro de Maria Antónia Oliveira, «Alexandre O’ Neill – Uma Biografia Literária».
O’
Neill embirrava com o fado.
Alain
Oulman tinha uma música para a qual precisava de uma letra, a música era muito
bonita e tentou convencer o poeta a escrever, mas O’ Neill não queria, tão pouco
abominava o fado - «a desgraça atávica
deste país» - e nem sequer queria conhecer Amália.
José
Fonseca e Costa, no livro da Maria Antónia Oliveira, conta:
«Um
dia o Alain tocou para nós uma música que o atormentava, estranha música era
essa, bela e profunda, toda feita de altos e baixos, como as ondas do mar ou o
voo das aves, com notas que nos entravam na alma e ficavam cá dentro a vibrar.
Disse, depois de fechar o piano, que não descobrira nem verso de letrista de
fados nem poema de grande poeta que coubesse naquela tão estranha, tão
enigmática e tão bela música. Perguntou ao Alexandre, provocador, se não seria
capz de escrever um poema por ela inspirado e medido e, por uma vez, o
Alexandre ficou calado, como se não tivesse ouvido o desafio. Fechou-se naquele
sorriso sarcástico que ostentava sempre, aquele com que sorria “à morte com meia
cara”.»
A
letra de Gaivota começou a ser
pensada naquele mesma tarde de Novembro, de volta de umas castanhas assadas e
da água-pé, no Martinho da Arcada.
Se
uma gaivota viesse
Trazer-me o céu de Lisboa
No desenho que fizesse
Nesse
céu onde o olhar
É uma asa que não voa
Esmorece e cai no mar
Que
perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu coração
Se
um português marinheiro
Dos sete mares andarilho
Fosse quem sabe o primeiro
A
contar-me o que inventasse
Se um olhar de novo brilho
Ao meu olhar se enlaçasse
Que
perfeito coração
No meu peito bateria
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde cabia
Perfeito o meu
coração
Se
ao dizer adeus à vida
As aves todas do céu
Me dessem na despedida
O
teu olhar derradeiro
Esse olhar que era só teu
Amor que foste o primeiro
Que
perfeito coração
Morreria no meu peito
Meu amor na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração
Meu
amor
Na tua mão
Nessa mão onde perfeito
Bateu o meu coração
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