Por norma os fins-de-semana são dias parcos em notícias, os políticos, os fala-barato, vão arejar e, apenas ficam as outras notícias, normalmente mortes, outras tragédias, por vezes, um acontecimento feliz.
É um tempo propício para colocar à janela o que, nos últimos dias, fui lendo pela concorrência.
1.
Na abertura da Feira do Livro de Lisboa, não foi apenas a comitiva oficial que passeou pelo parque, trocando cumprimentos com os passantes. Também os trabalhadores das livrarias Bulhosa, do Grupo Civilização, e da Europa-América marcaram presença, com panfletos que explicavam aos visitantes da Feira o que se passa nos seus locais de trabalho (salários em atraso, subsídios por pagar, total instabilidade laboral). Nessa altura, um dos trabalhadores da Bulhosa deu uma entrevista à SIC, falando sobre a sua situação laboral e a dos seus colegas; três dias depois, foi suspenso, como se pode ler na notícia do Expresso:
A administração da Bulhosa Livreiros suspendeu hoje de manhã Rui Roque, o trabalhador que surgiu, na reportagem da SIC, a denunciar a atual situação de salários em atraso na empresa, no âmbito da ação de protesto que decorreu durante a abertura da Feira do Livro de Lisboa.
“Hoje a administração decidiu suspender-me porque acha que não reúno condições para trabalhar na empresa”, contou ao Expresso Rui Roque.
O Expresso tentou obter esclarecimentos da Bulhosa Livreiros, do grupo Civilização, mas não conseguiu mais do que uma declaração. “A empresa não comenta questões internas relacionadas com os seus funcionários”, leu o assessor de imprensa, acrescentando: “A Bulhosa Livreiros pauta-se pelo respeito escrupuloso pelos direitos legais dos trabalhadores, designadamente o direito à manifestação”.
Na comunicação do processo disciplinar que enviou ao funcionário, a administração refere, especificamente, que a decisão ocorre na sequência do conhecimento do comportamento do trabalhador no dia 24 de Abril de 2012, data da manifestação conjunta de trabalhadores da Bulhosa Livreiros e da Europa-América, organizada com o Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal CESP), para denúncia dos salários em atraso nas duas empresas.
Sara Figueiredo Costa no Cadeirão Voltaire
2.
Era miúda na altura, não percebi a correria, o medo, a alegria súbita. Depois sim, e na verdade o vinte e cinco de abril deu-me a possibilidade de ser refilona ainda muito jovem, de não aceitar as coisas como elas são mas como devem ser. Ao ver na televisão as imagens antigas, percebo como a data se transformou em história distante, matéria escolar, porém não sinto nostalgia. E quando dizem que os ideais do vinte e cinco de abril não se cumpriram, não compreendo. Uma revolução é necessária para dar cabo de qualquer coisa, acabar com uma ditadura, por exemplo; é uma resposta violenta e curta, deve ficar por aí. É mais importante, e também mais difícil, o que vem depois e se prolonga: reconstruirmos o nosso dia a dia, assumirmos a responsabilidade de pensar e agir em conjunto, darmos às nossas palavras e aos nossos gestos um sentido justo — isso não muda o mundo, mas eu mudo.
Lido em Malone Meurt
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