Cabra Cega
Roger Vailland
Tradução: Helder Macedo
Prefácio sobre o autor: José Cardoso Pires
Capa: Rocha de Sousa
Editora Ulisseia, Lisboa Abril 1965
- É o meu drama pessoal – explica Marat. – Você adivinhou alguma coisa há ppouco quando falava da minha maneira de entrar na casa das pessoas, do meu sorriso… Ser comunista é também, para além da doutrina e do combate, todo um comportamento, uma maneira de ser e de sentir, uma configuração íntima. Bato-me ao lado dos comunistas, adiro sem reservas à sua doutrina, faço tudo o que posso pelo Partido, talvez mais do que muitos militantes… mas não tenho o “estilo” comunista… Sou filho de burgueses. Luto contra a minha classe com todas as forças, mas herdei alguns dos seus vícios, amo o seu luxo, os seus prazeres. Muitas coisas de que um militante nem sequer suspeita têm um lugar importante na minha vida… É muito provável que um dia destes adira oficialmente ao Partido. Serei um bom militante porque terei decidido sê-lo. Mas, ombro a ombro com os meus camaradas, receio continuar a ser só. Há homens que nascem em má altura, cedo demais ou demasiado tarde… Você já esteve no campo em férias; os camponeses trabalham na agricultura, os pastores guardam os rebanhos, as mulheres preparam a sopa. Pergunta-se de súbito: “Porque estou eu aqui?” Nada há que fazer. Está-se em férias desocupado. Uma personagem facultativa que o pintor acrescentou gratuitamente ao quadro, um passeante, nada mais que um passeante. Hei-de passear no Partido como passeei no mundo burguês, amando a paisagem em vez de a odiar, no entanto passeante, o passeante solitário…
Nota do editor:
Durante o mês de Abril, irei apresentando uma série de livros que me acompanharam durante os tempos da ditadura.
Livros que, por isto ou por aquilo, ajudaram a formar uma consciência cultural e política.
A sua aparição não obedece a algum critério, e, naturalmente, muitos livros e autores irão ficar de fora.
Sem comentários:
Enviar um comentário