O que eu procurava era o âmago da música – a expressão. Não teria
havido jazz se não fossem os blues e não teria havido blues sem escravatura;
essa versão particular e mais recente de escravatura, diferente daquela que
nós, pobres celtas, tivemos de sofrer às mãos do império romano. Os poderosos
sempre sujeitaram povos inteiros à miséria, não apenas na América. Mas quem
sobrevive à escravatura produz algo de primordial. Algo que não vem da cabeça,
vem das entranhas. Algo que está para lá da sua própria musicalidade; esta pode
assumir as formas mais diversas. Há imensos tipos de blues. Há tipos de blues
muito leves, há tipo de blues mais pesados, pantanosos. É nos pantanosos que eu
me situo. Ouçam o John Lee Hocker. Toca de um modo muito arcaico. As mais das
vezes ignora a progressão harmónica, que é sugerida, mas não tocada de modo
explicito. Os músicos que tocam com ele podem segui-la; ele não, fica onde
está, inamovível. Implacável. Outra coisa crucial no John Lee Hocker, fora aquela
grande voz e a implacável guitarra, era o seu bater de pé, que fazia lembrar o
rastejar de uma boa. Ampliava o som da batida com uma caixa chinesa, cinco
centímetros por dez.
Keith Richards em Life.
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