É este o problema com a bebida, pensei, enquanto me
servia dum copo. Se acontece algo de mau, bebe-se para esquecer; se acontece
algo de bom, bebe-se para celebrar, e se nada acontece, bebe-se para que
aconteça qualquer coisa.
Fez-me sorrir esta frase de Charles Bukowski.
O problema com Bukowski, é que, mesmo que não seja vontade nossa,
ousamos ser obscenos.
Talvez porque precisamos de viver em humor e desespero.
Entrei na onda, segui velhos passos e desaguei numa daquelas histórias
que ouvi num jantar familiar.
Uma velha prima gostava da sua pinguita e bebia às escondidas.
Vivia numa daquelas vilas da Lisboa antiga, onde tudo se vê, tudo se
sabe.
Contaram à mãe que volta e meia ela ia à taberna da rua buscar vinho
numa cafeteira de esmalte.
A mãe, mãos na cintura, fez-se ouvir:
- Ouve lá?! Não há putas na família terá que haver bêbedas?
Aqui percebi que não podia ser bêbeda e puta também não. Percebi também
que o mais comum dos mortais se podia tornar bêbedo.
O cantor Tom Waits diz que não é ele que se embebeda… mas o
piano…
Havia uma vizinha em casa dos meus pais que sempre que tocava à
campainha apresentava- se de casaco de peles, cabelo louro amarelado,
meias de vidro, cigarro na mão, unhas pintadas, voz baralhada. Na altura
questionava- me se era puta ou bêbeda...vim a saber mais tarde que era as duas
coisas.
No entanto havia ali uma qualquer louca dignidade um desespero a dar
razão a quem diz que só há problemas com o álcool quando não tem mais para se
beber.
- Um dia gostava de ser assim...bêbeda, pensava eu.
- Por que não puta?
Naquela idade pensa-se tudo,
Há quem saiba porquê, mas eu não encontro o fio à meada.
Bukowski é mesmo um tipo perigoso, digo eu.
Mas saio desta com uma frase de Marguerite Yourcenar:
O álcool tira as ilusões. Depois de alguns golos de
conhaque já não penso em ti.
Boa noite.
Reinvenção de Sara Calisto para o trabalho Loft Soft, Fragmentos
de Uma Loucura Normal, que, em Junho, esteve em representação,no Teatro
de Carnide.
Legenda: Cartaz de Ricardo Mesquita
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