domingo, 19 de outubro de 2014

UM GOSTO NÃO É MEDIDA DO TRABALHO HUMANO


O melhor dum escritor é ser negociável no entendimento, comum no conviver, justo no aconselhar, benigno no julgar e sempre aberto perante as glórias. É soberba esperar muito do que se faz por talento, porque se faz com gosto. E um gosto não é medida do trabalho humano. Este é, sobretudo, esforço e sacrifício e passo do destino que nos acabrunha. O escritor é hoje um modelo de ignorância, e não um trajecto de sabedoria, Mesmo quando se faz erudito, converte-se num mercado de bugigangas, com muitas coisas brilhantes que apregoar e poucas valiosas para oferecer. Também não é bom ser austero demais, nem culto, que pareça solidão fingida. Bom, é agradecer a luz do coração com que se fazem amigos. Bom é amar em pequenas porções, momentos, pessoas e tudo que não faz costume. Arregaço as mangas, não para escrever um livro, mas para me acotovelar com a multidão. Oh gente tão lenta em perceber que a amamos! É crueldade dar aos livros o tempo com que nascemos. Construir a natureza é o que nos faz calcular a sua vastidão


Agustina Bessa Luís em Caderno de Significados

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