quarta-feira, 10 de dezembro de 2014

QUOTIDIANOS


Sinto que vivo debaixo do peso da minha memória, que é ela que me identifica e, de certo modo, me condiciona. Por isso, o tempo é a minha matéria e o meu enigma. Se pensasse nisso a sério acho que a coisa que mais devia recear seria a amnésia pois, nesse dia, a minha vida inteiramente se apagaria e não sei se seria possível recomeça-la a partir de uma nova folha em branco. Felizmente, a antevisão da amnésia não está entre as minhas ansiedades preferidas. Restam-me outras ansiedades: tenho medo de ficar patetinha e senil e angustia-me a ideia de me meterem numa daquelas máquinas que prolongam o coma por meses e meses a fazem a angústia dos parentes mais próximos. Por favor, não me prolonguem o coma. A gente tem que morrer com alguma qualidade de vida.

António Alçada Baptista em Pesca à Linha

Legenda: imagem de Sétimo Selo, filme de Ingmar Bergman

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