Sinto que vivo debaixo do peso da minha memória, que é
ela que me identifica e, de certo modo, me condiciona. Por isso, o tempo é a
minha matéria e o meu enigma. Se pensasse nisso a sério acho que a coisa que
mais devia recear seria a amnésia pois, nesse dia, a minha vida inteiramente se
apagaria e não sei se seria possível recomeça-la a partir de uma nova folha em
branco. Felizmente, a antevisão da amnésia não está entre as minhas ansiedades preferidas.
Restam-me outras ansiedades: tenho medo de ficar patetinha e senil e
angustia-me a ideia de me meterem numa daquelas máquinas que prolongam o coma
por meses e meses a fazem a angústia dos parentes mais próximos. Por favor, não
me prolonguem o coma. A gente tem que morrer com alguma qualidade de vida.
António Alçada Baptista em Pesca à Linha
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