sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

SOU DE TODA A PARTE ONDE TRABALHO


Quando morre no dia 5 de Dezembro de 1949, Soeiro Pereira Gomes tem 40 anos.

Soeiro Pereira Gomes morreu em Lisboa e, por vontade da família, foi a enterrar no cemitério de Espinho.

O povo exigiu a passagem do cortejo fúnebre por Alhandra.

Nesse dia, aquele papel anónimo lançado para as flores do caixão, que dizia:

Ao nosso querido e inesquecível amigo, Joaquim Soeiro Pereira Gomes, lhe rendemos, neste momento, em nome de todo o povo honrado e trabalhador de Alhandra, a última e derradeira homenagem àquele que soube, perto ou longe, contribuir para a liberdade do Povo de Portugal
Nós te juramos, querido e saudoso camarada, que, sejam quais forem os obstáculos que os responsáveis da tua morte nos levantarem, levantaremos sempre bem alto, mas enfrentando a morte, a bandeira da democracia pela qual sempre honradamente sonhaste lutar e morrer.
Nós te juramos, saudoso amigo, pelo amor dos nossos filhos.

Esteiros de Soeiro Pereira Gomes é um daqueles livros que nos marcam para uma vida.

Na biblioteca do meu pai estava lá o livro, edição da Sírius, com os belíssimos desenhos de Álvaro Cunhal e aquela dedicatória:

Para os filhos dos homens que nunca foram meninos, escrevi este livro.

Uma dedicatória como esta não pode enganar qualquer leitor.

Aliás, são lindíssimas as dedicatórias dos livros de Soeiro Pereira Gomes.


Para os trabalhadores sem trabalho – rodas paradas duma engrenagem caduca.

De Contos Vermelhos:

Aos meus companheiros que, na noite fascista, ateiam clarões duma alvorada.

Do conto Mais Um Herói, incluído em Refúgio Perdido:

À memória de Ferreira Marquês e de quantos, nas masmorras fascistas, foram mártires e heróis.

Manuel Gusmão em Soeiro Pereira Gomes tomar a palavra: dedicatórias e promessa:

Quando o lemos, percebemos que quem dedica aqueles contos e romances é alguém que assim estava a dedicar a sua vida.

Em Janeiro de 1972 a Editora Europa-América publicou as, possíveis, Obras Completas de Soeiro Pereira Gomes.

Dela não fazem parte os Contos Vermelhos e o que de Refúgio Perdido se publica, não consta, entre outros, o conto Mais um Herói.

Para Refúgio Perdido, as Publicações Europa-América, seguem o volume editado, em Junho de 1950, pelas Edições SEN, do Porto, com prefácio do jornalista Manuel de Azevedo.

Recentemente, o jornal Público, na sua colecção Livros Proibidos, publicou uma edição fac-símile em que reproduz os ofícios trocados entre a Censura salazarista e a editora.




A versão completa de Refúgio Perdido é publicada, em Fevereiro de 1975, pelas Edições Avante.

Soeiro Pereira Gomes nasceu em Gestaçô, concelho de Baião, distrito do Porto, no dia 14 de Abril de 1909.

Com 22 anos fixou-se em Alhandra e, por intervenção do pai de sua mulher, Manuela Câncio Reis, empregou-se nos escritórios da Fábrica de Cimento Tejo.

Em Alhandra, foi o grande impulsionador do movimento cultural entre os trabalhadores e o povo. Montou bibliotecas, nas colectividades de cultura e recreio, realizou conferências sobre temas culturais, de desporto, promoveu cursos de alfabetização e de ginástica, a construção de uma piscina – A Charca – em que trabalhou como operário e, juntamente, com Alves Redol e Dias Lourenço, organizou os célebres passeis de fragata que mais não eram que uma subtil maneira de proporcionar encontros entre intelectuais e quadros do Partido, longe dos olhos e ouvidos das polícias.

Conta quem com ele conviveu, que Soeiro Pereira Gomes não se limitava a escrever livros: vivia-os.

Os seus contactos pessoais, os laços humanos que construiu, a fraternidade que respirava cada uma das suas palavras, forneciam-lhe os materiais com que organizava a luta, dia e noite, sem qualquer ponta de desfalecimento. Na luta por um país sem fome nem miséria, Soeiro Pereira Gomes, juntamente com outros intelectuais, esteve na linha da frente.

A tua alegria é a minha alegria. A tua tristeza é a minha tristeza. Na vitória final estaremos todos, e até mortos vão ao nosso lado como escreveu José Gomes Ferreira.

Esteiros. Minúsculos canais, como dedos de mão espalmada, abertos nas margens do Tejo. Dedos das mãos avaras dos telhais, que roubam nateiro às águas e vigores à malta. Mãos de lama que só o rio afaga.

Um livro a que volto sempre com o mesmo gosto ternurento de quando o li pela primeira vez.

Você, este ano, só trouxe novatos, ó mestre!
Mas dão conta do recado, patrão. Valem por homes.

Adolfo Casais Monteiro:

O seu romance foi recebido pela crítica de todas as tendências com o maior aplauso. Isto se deve, sem dúvida, a ser Esteiros uma obra que se impõe pela veracidade ao mesmo tempo que pela poesia, dos sucessivos quadros em que nos apresenta essas inesquecíveis figuras de crianças miseráveis, o pessoal mártir dos esteiros da margem do Tejo, na época do ano em que se fabrica o tijolo; mártires também, durante o resto do ano, em que nem o sofrimento do trabalho bárbaro os ajuda a subsistir condenados à vagabundagem e à fome.

O sonho do Gineto na prisão, por andar a roubar carvão e fruta: que os amigos, o Gaitinhas, o Sagui, virão para o libertar e  mandar para a escola aquela malta dos telhais – moços que parecem homens e nunca foram meninos.

 Gente que Soeiro Pereira Gomes conheceu bem e soube amar como ninguém.

E só se fala bem daquilo que se ama.

Ou, como diria, Paul Éluard: o poeta deve ser mais útil do que qualquer outro cidadão da sua tribo.

Nota do Editor: o título é retirado de um diálogo de Engrenagem.

Legenda: ampliação dos desenhos de Álvaro Cunhal que ilustravam o início de cada capítulo d 1ª edição de Esteiros, tirada de Soeiro Pereira Gomes: Na Esteira da Liberdade, edição do Museu do Neo-Realismo, Vila Franca de Xira, Novembro de 2099.

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