Reduto Quase
Final
Dinis Machado
Capa: Helena
Justino
Bertrand
Editora, Lisboa Março de 1989
Abertura com a mais velha estação de comboios do
mundo.
Qualquer maneira de começar é uma boa maneira de
começar. (De um manual arcaico de contadores de histórias).
Tenho cinquenta e oito anos, um clássico da literatura à minha esquerda, sobre
a mesa, fumo uma cigarrilha, estou forrado de roupão, de tranquilidade – e do
silêncio um pouco embaciado pelo fumo, raspado lá fora por pneus que rangem. O
som dos taipais corridos de repente, uma buzina estridente e ilegal, e a voz,
feita de arranques e de paragens, do meu irmão, com movimentos de mãos e
surpresas na cara, como fazia o Mickey Rooney, isso foi ontem: quando este
livro já andava no ar, como pássaro de papel, no espaço escolhido e geométrico
de uma casa instalada na solidão da noite. Sinto-me só e decidido a apresentar,
na travessia dos anos, as poucas artes fundamentais do meu papel em palcos do
embaraço, do desembaraço, do alvoroço e do medo. Aceite o leitor: há
privilégios habitualmente pequenos e duráveis, no reino dos olhos quietos e das
horas de espanto, da música, da prata que mora nas salinas, ou que cintila em
mares surpreendentes, nas árvores outonais, com folhas que voam na direcção do
Inverno, ficando naturalmente pelo caminho, o frio e a lareira dos
antepassados, parados numa gravura de parede, os dedos nos cabelos, a palavra
no ouvido, a água pesada da mágoa do mundo, depois a dos teus olhos – inocente.
(Duas horas da manhã. As palavras procuram-se. A Dulce dorme lá dentro. Sossegadamente, espero.)
(Duas horas da manhã. As palavras procuram-se. A Dulce dorme lá dentro. Sossegadamente, espero.)
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