sábado, 5 de dezembro de 2015

OLHAR AS CAPAS


O Complexo de Portnoy

Philip Roth
Tradução: Ana Luísa Faria
Capa: Rui Garrido
Publicações Dom Quixote, Lisboa, Junhio de 2000


No Verão ele fica na cidade enquanto nós três vamos passar um mês num quarto mobilado à beira-mar. Irá depois ter connosco, para as duas últimas semanas, quando tiver férias… há dias, no entanto em que Jersey City fica tão saturada de humidade, tão fervilhante dos mosquitos que lançam os seus ataques aéreos a partir dos pântanos, que no fim do dia de trabalho ele faz sessenta e cinco milhas, pela velha estrada de Cheesequake – a estrada de Cheesequake! Santo Deus! As coisas que uma pessoa aqui se lembra! – faz sessenta e cinco milhas para passar a noite connosco no nosso quarto arejado de Bradley Beach.
Chega já depois de nós termos jantado, mas o jantar dele fica à espera enquanto ele despe as roupas citadinas encharcadas com que andou todo o dia a fazer o circuito das cobranças e veste o fato de banho. Desce a rua até à praia, com os sapatos desapertados a matraquear o asfalto, e eu levo-lhe a toalha. Trago vestido uns calções lavados e uma camiseta imaculadamente limpa. Já tomei um duche para tirar o sal da pele, e o meu cabelo – ainda o meu cabelo pré-palha-d’aço de rapazinho, macio escovável – está muito bem penteado, de risca bem feita. Há um varão de ferro carcomido que corre ao longo da passadeira de tábuas, e é nele que me sento; lá ao fundo ainda calçado, o meu pai atravessa a praia deserta. Vejo-o poisar a toalha muito direita, ao pé da água. Guarda o relógio num sapato, os óculos no outro, e está pronto para a sua entrada no mar. Ainda hoje entro na água como ele me aconselhava: mergulhar primeiro as mãos, depois molhar as axilas, depois uma mão-cheia de água na testa e na nuca… ah, mas devagar, sempre devagar. Assim a pessoa refresca-se, evitando ao mesmo tempo que o organismo sofra um choque. Refrescado, sem ter sofrido qualquer choque, ele vira-se para mim, acena comicamente em direcção ao sítio onde julga que eu estou, e deixa-se cair de costas, boiando de braços abertos. Oh, como ele fica imóvel quando bóia – ele trabalha, trabalha tanto, e para quem senão para mim? -, e depois, finalmente, depois de se pôr de bruços para dar meia dúzia de braçadas nervosas que não o levam a parte nenhuma, volta a patinhar para a areia, o tronco compacto e molhado a brilhar dos últimos raios de luz puríssima que descem, por sobre os meus ombros, do interior, da sufocante Nova Jérsia a que estou a ser poupado.

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