quinta-feira, 31 de outubro de 2024

MÚSICA PELA MANHÃ


 Side A

I Left My Heart In San Francisco – Because of You – Cold, Cold Heart – Rags To Riches – Stranger In Paradise – In The Middle Of An Island – From The Candy Store On The Corner To The Chapel On The Hill – I Wanna Be Around

Side B

Can You Find It In Your Heart – The Good Life . The Autumn Waltz – There’ll Be No Teardrops Tonight – I Won’t Cry Anymore – Firefly – Ça, C’Est L’Amour – Blue Velvet

No Rossio, comprara um cachimbo na «Caravela», subira depois ao 1º andar, que funcionava como discoteca, e perdeu-se por um best do Tony Bennett.
José Saramago contou um dia que o seu romance «O Evangelho Segundo Jesus Cristo» nasceu de uma ilusão de óptica, ocorrida em Sevilha, «quando atravessando uma rua em direcção a um quiosque de jornais que se encontrava do outro lado, e graças aos meus péssimos olhos – porque se eu tivesse uma visão perfeita teria visto só aquilo que lá estava – li nitidamente: «O Evangelho Segundo Jesus Cristo». Segui não ligando muito. Parei um pouco adiante e disse para mim: «Não posso ter lido aquilo que li». Voltei atrás para certificar-me efectivamente de que efectivamente não estava lá nada; nem Evangelho, nem Jesus, nem Cristo e muito menos em português. Depois estas coisas crescem, crescem dentro de nós, convertem-se em livros, de 450 páginas, como este».

Com a compra do cachimbo esgotara o dinheiro disponível para os extras do mês.

Mas, mesmo sem tostão no bolso, sempre teve a mania de entrar nas discotecas, nas livrarias, tal como a borboleta é atraída pela luz, apenas para olhar, para mexer.

O Tony Bennett estava ali.

Comprá-lo-ia em uma outra ocasião, mesmo sabendo que quando procede assim não volta a encontrar o livro, ou o disco, uma outra vez, no tempo em que as usava, foi uma gravata.

Só que lhe deu uma ilusão de óptica ou algo que o valha, assim à Saramago.

Na capa do disco pode ler-se «Ça, c’est l’amour», ele leu 
«Chanson d’Amou, uma tal canção dos Manhattan Transfer, de que gosta muito.

E pensou: maravilha das maravilhas, Bennett e «Chanson d’Amour».

Não resistiu.

Disco debaixo do braço, lesto correu para casa.

Tirou o disco do saquinho da «Caravela», depois o plástico de protecção, colocou-o no pick-up, escolheu no lado 2 a faixa 7, e dispôs-se a ouvir Tony cantar:

Chanson d'amour, ra da da da da, play encore.
Here in my heart, ra da da da da, more and more.

Chanson d'amour, ra da da da da, je t'adore.

Each time I hear, ra da da da da, Chanson, chanson, d'amour.

Não saiu assim.

Pensou que se enganara na escolha do lado, ou da faixa, e repetiu a operação.

Tony voltava a cantar:

When suddenly you sight
Someone for whom you yearn
Ca c'est l'amour
And when to your delight
She loves you in return
Ca c'est l'amour.

Mais não era que a belíssima canção de Cole Porter.

Ficou assim… não bem triste, mas a atirar um pouco para o sem jeito.

A etiquetazinha na contracapa mostra que o disco lhe custou 750$00, dinheiro que ele foi surripiar ao orçamento dos comes e bebes da família.

Nesse mês, a tribo teve de comer «Salsichas Izidoro» mais vezes do que aquelas que era norma-pão-nosso-de-cada dia, comer.

Claro que, no fundo, no fundo, acabou por abençoar a tal ilusão de óptica, ou fosse lá o que fosse, porque ficou com um grande disco.

Se não o tivesse comprado, talvez não mais o encontrasse.

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

PANCADAS DE MOLIÉRE


O meu neto mais velho comprou bilhete para o Teatro Aberto.

Mas perdeu-se no tráfego e chegou 15 minutos atrasado.

Não o deixaram entrar.

Aos filhos e aos netos fui lembrando o que o meu avô, largas vezes, me foi dizendo: «Se te marcam encontro para uma qualquer hora, estás 10 minutos antes!»

Espero bem que o meu neto tenha aprendido, de vez. a lição.

Sobre a não entrada, fora de horas, nos teatros, andei à procura de um texto, não publicado, guardado por aí.

Remonta a Novembro de 2003.

Aqui fica.

 «Veio nos jornais que houve gente escandalizada por ter sido impedida de entrar no teatro para ver a peça “Sete Minutos” que é  ponto de partida de um actor que é interrompido por um telemóvel enquanto interpreta Macbeth, que levanta questões sobre o comportamento dos espectadores, chegando tarde, atendem telemóveis ou veem mensagens.

António Fagundes, actor brasileiro, esteve em Lisboa e no Porto, para apresentar a peça.

À hora do espectáculo começar, as portas fecharam e os retardatários não puderam entrar, tal como acontece em países civilizados em que há o respeito pelos autores e pelos actores.

O «jet-set» ficou indignado e houve quem murmurasse, ou dissesse em alta voz: «estes tipos vêm do Brasil e quem pensam que são?!»

Chegam tarde ao teatro, ao cinema, aos concertos. Não é a arte, a cultura que os move antes o espectáculo pífio do chocalhar das jóias, do espanejar dos vestidos, das peles, das conversas de chacha.

Jorge Silva de Melo, sobre «Histórias do público, segundo os artistas», num inquérito no Público, de que não tenho data, já abordara o assunto.

ARMA SECRETA

Tenho uma arma secreta
ao serviço das nações.
Não tem carga nem espoleta
mas dipara em linha recta
mais longe que os foguetões.

Não é Júpiter, nem Thor,
nem Snark ou outros que tais.
É coisa muito melhor
que todo o vasto teor
dos Cabos Canaverais.

A potência destinada
às rotações da turbina
não vem da nafta queimada,
nem é de água oxigenada
nem de ergóis de furalina.

Erecta, na noite erguida,
em alerta permanente,
espera o sinal da partida.
Podia chamar-se VIDA.
Chama-se AMOR, simplesmente.

António Gedeão de Máquina de Fogo em Poesias Completas

terça-feira, 29 de outubro de 2024

REOLHARES


 REOLHARES vai buscar textos antigos publicados neste Cais do Olhar.

A «Casa Museu de Karen Blixen» foi publicado em 2 de Março de 2010.

A casa Museu de Karen Blixen fica em Rungsted, numa lindíssima parte de Copenhaga, a que chamam a riviera dinamarquesa.

Um sossego de paraíso paira pela casa, nos jardins que a circundam, é suave o cântico dos pássaros que se abrigam pelas árvores. Karen Blixen assim quis. É por isso que custa, imaginar, que perante tanta beleza, Karen Blixen tenha passado os últimos anos da sua vida em ódios e vinganças, egoísmos e invejas com os seus amigos e também com os companheiros de escrita. A amargura de tudo o que se passou no Nepal -“Tive uma fazenda em África” - não pode justificar tudo.

Da casa museu de Karen Blixen trouxe dois postais: a secretária no quarto Ewalds, com a sua máquina de escrever “Corona” e Karen Blixen quando visitou Nova Iorque.

Sentados a uma mesa, vêem-se Karen Blixen, Arthur Miller, Marilyn Monroe e Carson McCullers. A fotografia foi tirada no dia 5 de Fevereiro de 1959.


CarsonMcCullers tinha 42 anos, devido a problemas físicos e emocionais, era quase uma reclusa, todos os anos relia "Out of Africa" e considerava Blixen a sua "amiga imaginária," que sempre "estava lá quieta, serena e com grande sabedoria para me confortar."

Ao saber que Blixen gostaria de conhecer Marilyn Monroe, McCullers ligou para Arthur Miller, ainda casado com Marilyn, e marcou o almoço.

Blixen tinha 74 anos, e estava muitíssimo debilitada pela sífilis que contraiu em África. Por ser anoréxica, pesava 36 quilos e alimentava-se de ostras que acompanhava com champanhe!

Monroe tinha 33 anos e não conhecia, nem nunca lera, McCullers, tão pouco Blixen. Tinha acabado de filmar "Quanto Mais Quente Melhor" e, as usual, chegou atrasada ao almoço.

As três entenderam-se maravilhosamente, embora Arthur Miller diga que faz parte da lenda, a história de que as três dançaram juntas sobre a mesa de jantar de mármore de Carson McCullers. Riram a bandeiras despregadas quando Marilyn contou que, certa vez, tentara acabar de cozinhar macarrão usando um secador de cabelo.

Por sua vez Blixen disse que Marilyn era "quase que inacreditavelmente bonita," cheia de "uma vitalidade ilimitada" e de "uma inocência incrível"

Karen Blixen morreu em 1962 de inanição, Marilyn Monroe, no mesmo ano, de overdose ou, segundo outras versões, assassinada a mando do Clan da família Kennedy. Carson McCullers morreu em 1967 vitimada por um derrame cerebral. Arthur Miller morreu, de insuficiência cardíaca, em 2005.

Vou, agora, buscar o maravilhoso diálogo que encerra o terceiro capítulo da “África Minha”, quando o criado Ndwetti fala do voo que Karen Blixen fizera com Denys:

« — Hoje subiram muito alto. Não vos conseguíamos ver, só ouvíamos o aeroplano zumbir como uma abelha.

Concordei que andáramos a voar muito alto.

- Viram Deus? - perguntou ele.

- Não, Ndwetti – respondi eu. Não vimos Deus.

- Ah, então é porque não subiram o suficiente. Mas digam-me lá: acham que conseguem subir o suficiente no seu aeroplano para ver Deus? - perguntou ele dirigindo-se a Denys.

- Na realidade, não sei - foi a resposta.

- Então - disse Ndwetti - não sei porque é que vocês os dois vão voar.»

segunda-feira, 28 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Os Prazeres de Alfredo Saramago

Alfredo Saramago

Colecçaõ Peninsulares nº 49

Assírio & Alvim, Lisboa, Maio de 1999

Desde a antiguidade que a civilização ocidental nunca soube onde deveria arrumar os prazeres, Os estóicos atacavam-nos. Os aristotélicos não lhe acertavam com o lugar e os epicuristas defendiam-nos. No atravessar de milénios as posições modificaram-se, segundo as épocas e as circunstâncias, mas continua a haver indecisões. Eu não as tenho.

CORTEJO FÚNEBRE

Quando o carro fúnebre passou a morrer

frente ao Café

enterrei a atenção num jornal receando conhecer

aquele nome ao comprido no seu

último passeio pela vila. Os mais velhos

no Café

ousaram até à vidraça comentando

circunstâncias sobre a vida que o

morto tinha. O

sino da torre da igreja soava

tão alto lá fora

os acordes pareciam flechas

alvejando o salão. A

morte não é tudo

na vida pelo que no instante seguinte

todo o povo dispersou e os mais velhos

no Café

voltaram ao dominó

cotejando entre si a última ida ao médico

o mais recente sinal ou

sintoma de doença.

Espreitei a rua para ver se a

morte já ia longe

ainda sentia o sino a latejar na cabeça

dessa vez

(tive a certeza)

tentou ver se levava alguma

coisa de mim.

 

João Luís Barreto Guimarães

domingo, 27 de outubro de 2024

DISTO; DAQUILO E DAQUELOUTRO


Passou a ser conhecido no dia em que o então primeiro-ministro António Costa, o chamou para colocar uma certa ordem nos tempos de vacinação da Covid.

O processo correu bem e, finda  a tarefa, o Almirante Gouveia e Melo regressou à rotina dos quarteis.

Há um meio para cá, passou a falar-se da sua candidatura à eleição presidencial.

Sondagens vindas a público, dá vantagem a Gouveia e Melo face às eventuais candidaturas de Luís Marques Mendes, Pedro Passos Coelho e Mário Centeno

A partir daqui seguimos o relato do jornalista Vítor Matos no semanário do Expresso de 4 de Outubro.

Há logo o abrir de fileiras na primeira página no semanário, cujo recorte encima este texto.

O retrato que lhe fazem apresenta-o com um homem de boas características executivas, mas pouca capacidade para lidar com subtilezas política, centrista pragmático ambicioso e autoritário.

Segundo apurou o Expresso, só aceitará ficar à frente da Marinha se tiver garantias de que o governo vai aumentar o investimento de forma significativa na força naval portuguesa.

Na sua edição de 27 de Setembro o Expresso colocava na 1ª página:

Ainda segundo o Expresso, Marcelo Rebelo de Sousa preferia que Gouveia e Melo permanecesse à frente da Marinha, do que ver Belém voltar a ter um militar na presidência e, em conversas particulares, tem classificado Gouveia e Melo como um «populista e autoritário».

Como suporte, ficam as afirmações de Gouveia e Melo, em recolha do Expresso nas diversas entrevistas que já concedeu aos órgãos de comunicação social.

sábado, 26 de outubro de 2024

MÚSICA PELA MANHÃ


She Loves You, Twist And Shout, Do You Want To Know A Secret e I'll Get You

Este EP dos Beatles foi o primeiro dos quatro de Liverpool a ser editado em Portugal, no dia 22 de Novembro de 1963.

Custava 60$00, qualquer coisa como 0,3 cêntimos.

She Loves You, Twist And Shout, Do You Want To Know A Secret são 3 canções extraordinárias.

Colaboração de Aida Santos

OLHAR AS CAPAS


 

Beatles em Portugal

Luís Pinheiro de Almeida

Sistema Solar CRL, Lisboa, Novembro de 2012

Uma estimativa mais ousada permite que se diga, com certeza quase absoluta, que os Beatles venderam em Portugal mais de meio milhão de discos nos últimos 50 amos. Um funcionário da Valentim de Carvalho chegou a salvar das chama do incêndio uma fichas copyright parcialmente manuscritas onde se apontava, por trimestre, o número de discos que os Beatles iam vendendo. É apenas uma ponta do novelo escondido.

O primeiro EP dos Beatles editado em Portugal, She Loves you, posto à venda no dia 22 de Novembro de 1963, terá vendido mais de oito mil unidades, quantidade que, na opinião de David Ferreira, responsável pela EMI de 1988 a 2007, é verdadeiramente surpreendente, se se considerar que o mercado discográfico, se se considerar que o mercado discográfico nacional era então praticamente inexistente. Não havai sequer LPs, que eram desmembrados em EPs.

Colaboração de Aida Santos

sexta-feira, 25 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Contos do Nascer da Terra

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Outubro de 2019

Não é da luz do sol que carecemos. Milenarmente a grande estrela iluminou a terra e, afinal, nós pouco aprendemos a ver. O mundo necessita ser visto sob outra luz: a luz do luar, essa claridade que cai com respeito e delicadeza. Só o luar revela o lado feminino dos seres. Só a lua revela a intimidade da nossa morada terrestre.

Necessitamos não do nascer do Sol. Carecemos do nascer da Terra.

Colaboração de Aida Santos

quinta-feira, 24 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


 A vida são sonhos que vão morrendo. Alguns não morrem completamente.

Urbano Tavares Rodrigues em Ao Contrário das Ondas

OLHARES


 coleciono fotografias de família, vendidas em alfarrabistas

por pouco dinheiro, como prova de que estamos

a uma ou duas gerações do esquecimento,

invento dedicatórias, parentescos, datas e locais,

espalho-as em molduras  pela casa para confundir visitas

e de me vigar de uma memória que me atraiçoa sem descanso

 

Tiago Araújo do poema Estudo do Rosto em Resumo: a poesia em 2010.

AH! A MEMÓRIA!...


 Bom dia, memória.

Primeiro vão-se as memórias, depois as ligações. Ou vice-versa. É assim que se morre.

A segunda frase neste texto não é minha.

Não sei quem a escreveu, onde a li.

Se pudéssemos arrumar as memórias numa caixa de cartão, onde guardamos tantas outras coisas…

A demência chegou a António Lobo Antunes.

Tem chegado a tantos e tantos outros.

Lembremos Gabriel García Márquez.

Na livraria estive a folhear o livro «Gabo e Mercedes» que um dos filhos de Garcia Márquez e a sua mulher Mercedes escreveram sobre Gabo.

Calhei na parte da história em que se escreve sobre o internamento hospitalar do escritor, na cidade do México, corria o ano de 2004, com um cancro em fase terminal, e o seu regresso a casa para morrer.

Tinha então 87 anos, em 2004 publicara o seu último romance «Memórias das Minhas Putas Tristes»

Levo o livro, não levo.

Tenho quase 80 anos.  

Apercebi-me ultimamente que me tornei sensível a certas coisas e, como tarefa diária, resolvi poupar-me.

Lentamente, fui pousando o livro no escaparate da livraria.

Tristemente, saí para a rua… E chovia…

quarta-feira, 23 de outubro de 2024

BLOGUEANDO POR AÍ

Encontrado na Antologia do Esquecimento:

«Ontem, um amigo mandou-me uma mensagem a dar conta de que sua excelência a Ministra da Cultura foi para o festival literário de Óbidos gabar a rede de bibliotecas. Pois muito bem. Só que a senhora disse que as bibliotecas são centros de actividade onde inclusivamente se podem realizar aulas de tricot, yoga, croché. Hoje, o mesmo amigo envia-me a notícia de que a "Livraria Lello quer médicos a receitar livros e lança petição para que Parlamento o decida". Sic erat scriptum. Quando era livreiro tinha pesadelos com clientes que saíam da livraria com sacos cheios de canecas, lápis, baralhos de cartas, marcadores para os livros, óculos de leitura, sabonetes literários. Levavam tudo menos livros. Eram pesadelos que se tornaram realidade. A ficção não foi superada pela realidade, fundiram-se uma na outra a ponto de hoje nos ser difícil aceitar que o mundo não é um grande manicómio. Sendo este o caminho, deixo algumas sugestões: que os livreiros passem a vender ansiolíticos e que as bibliotecas se transformem em casas de passe e que os hospitais sejam discotecas e que o Parlamento produza pastéis de nata e que os parques e jardins se tornem definitivamente grandes salas de espectáculos a céu aberto e... Ah, espera, os parques públicos já são grandes salas de espectáculos a céu aberto. Enfim, chego sempre tarde ao futuro.»

OLHAR AS CAPAS


 Estudos Dispersos

Moniz Barreto

Colectânea, Prefácio e Notas : Castelo Branco Chaves

Capa: João da Câmara Leme

Colecção Portugália

Portugália Editora

Há no Sr. Eça de Queiroz um grande poeta e um romancista digno de atenção. Admiremos o primeiro, antes de estudarmos o segundo.

NOTÍCIAS DO CIRCO

Emídio Rangel, quando era director da SIC, chegou a afirmar que «uma televisão vende tudo – tanto um Presidente da República como sabonetes».

Assim aconteceu.

Marcelo Rebelo de Sousa, tirocinou na catequese dos domingos à noite da TVI, e acabou em Belém.

Luís Marques Mendes anda a tirocinar na catequese da SIC, também nos domingos à noite e, provavelmente, acabará em Belém.

António Costa, durante a pandemia colocou o almirante Henrique Eduardo Passaláqua de Gouveia e Melo a coordenar a vacinação e, ao que consta, está no primeiro lugar dos candidatos à próxima eleição presidencial.

terça-feira, 22 de outubro de 2024

AS PALAVRAS DESENHAM-SE NA PAREDE

As palavras desenham-se na parede.
Não há centro, tudo prolifera.
A vela entre as espinhas.
As palavras ásperas resplandecem.
São as mais nuas feridas,
as mais desertas entre pedras.

O rosto é percorrido por formigas.
Raspado, e luz uma malícia pura.
Um cigarro aqui é mais do que uma estrela.
Um risco mais rápido que um foguete.
E a seara acende-se para além do muro.

António Ramos Rosa de Esplendor Calcinado em Obra Poética Vol. I

segunda-feira, 21 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


 Eu, pobre homem, a minha biblioteca era um ducado suficientemente grande.

 William Shakespeare

 Legenda: Livraria Lello no Porto

domingo, 20 de outubro de 2024

NOTÍCIAS DO CIRCO

Sebastião Bogalho, um rapazola, que subiu na política através de comentários, primeiro na TVI, depois da SIC, agora, durante o Congresso do PSD, abandonou a máscara de independente (?), e aderiu ao partido.

 «O eurodeputado Sebastião Bugalho desafiou este sábado quem quer confundir o PSD com os seus adversários a perguntarem aos portugueses se não veem diferenças entre o atual executivo e "a inércia de quem não soube governar".

Num discurso no 42.º Congresso do PSD, horas depois de ter sido anunciada a sua adesão ao partido, Sebastião Bugalho disse que decidiu tornar-se militante para "servir, retribuir", mas também para combater tanto os adversários dos sociais-democratas, como aqueles que os querem confundir.»

 Do «Diário de Notícias»

COMEÇOS DE LIVROS


Das mais gostosas aventuras nas longas, longas, longas leituras que tenho percorrido nesta vida, são os começos de livros. Também os finais. Também as capas.

E então as frases, os parágrafos, as páginas largamente sublinhadas?

No fundo de todos os fundos: os livros.

Ler prejudica gravemente  a ignorância.

Uma notícia muito triste que, recentemente, se soube: António Lobo Antunes não mais escreverá um romance. Uma linha sequer? pergunta-se. Perdeu a fala, perdeu a memória.

O começo que colocarei hoje, é o do Conhecimento do Inferno, o tempo em que António Lobo Antunes me maravilhava com os seus livros.

«O mar do Algarve é feito de cartão como nos cenários de teatro e os ingleses não percebem.»

sábado, 19 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Aquilino em Paris

Jorge Reis

Capa: José Artur

Colecção Outras Obras nº 8

Editora Veja, Lisboa s/d

Como conheço tantas palavras? Porque li e reli os clássicos… porque estudei, esmiucei o Camilo… e porque tenho passado a vida a prestar atenção ao que os outros dizem… Sim, sim, a menos de ser surdo, um escritor que tem a peito escrever na sua língua, deve anotar cada palavra, cada expressão que lhe encanta ou lhe fere o ouvido… A língua do povo é um manancial!... Se o escritor assim proceder, verá que, no momento oportuno, todo esse léxico virá por seu próprio pé ao sabor da escrita. Mas foi com os nossos clássicos e com os homens e mulheres da minha região que elaborei a minha língua e, com ela, o meu estilo… que vale o que vale, mas que é o meu!

sexta-feira, 18 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS

 

Sindicatos e Luta de Classes

Henri Krasucki

Tradução: Mário Neto

Colecção Praxis nº 9

Editorial Estampa, Lisboa, Outubro de 1971

O que define o capitalista, não é ser ele bom ou mau, bem educado ou grosseiro, é a sua «função» nesse sistema: não se pode ser capitalista sem explorar os trabalhadores, e não imperfeitamente, o mais que for possível.

NOTíCIAS DO CIRCO

António Ricciardi, presidente do conselho superior do Grupo Espírito Santo, num depoimento prestado em Outubro de 2015 ao Ministério Público, disse saber pouco sobre o GES e assinava documentos sem ler.

«Ricardo Salgado é que controlava a gestão do grupo».

Rui Costa, agora presidente do Sport Lisboa e Benfica, fez parte da SAD nos tempos em que Luís Filipe Vieira era o presidente.

Segundo depoimento prestado por Luís Filipe Vieira, Rui Costa desconhecia os documentos, provenientes da SAD, que assinava. Ele, Vieira, é que controlava tudo, e sabia de tudo.

QUAL TEM A BORBOLETA POR COSTUME

Qual tem a borboleta por costume,

que, enlevada na luz da acesa vela,

dando vai voltas mil, até que nela

se queima agora, agora se consume,

 

tal eu correndo vou ao vivo lume

desses olhos gentis, Aónia bela ;

e abraso-me, por mais que com cautela

livrar-me a parte racional presume.

 

Conheço o muito a que se atreve a vista,

o quanto se levanta o pensamento,

o como vou morrendo claramente;

 

porém, não quer Amor que lhe resista,

nem a minha alma o quer, que em tal tormento,

qual em glória maior, está contente.

 

Luís de Camões em Sonetos

quinta-feira, 17 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO

Quanta vez o que resta é essa frágil chave
perdida na algibeira da infância.

Vasco da Costa Maques

OLHAR AS CAPAS


Ao Contrário das Ondas

Urbano Tavares Rodrigues

Capa: Henrique Cayatte

Publicações Dom Quixote, Lisboa, Novembro de 2006

É impressionante como numa cidade com uma oferta cultural tão rica como Lisboa (música da melhor, algum cinema bom e o ballet renovado, as grandes exposições) há tão pouca procura e se mantém no galarim esta gente bacoca, espertalhona e pobre de espírito que ostente uns três automóveis de luxo e tem duas casas de veraneio e quantas vezes mistura negócios sujos com o seu peso político. Gente com ódio à liberdade e com desdém pelo povo, excepto quando fazem discursos eleitorais. 

PODÍAMOS SABER UM POUCO MAIS

Podíamos saber um pouco mais

da morte. Mas não seria isso que nos faria

ter vontade de morrer mais

depressa.

Podíamos saber um pouco mais

da vida. Talvez não precisássemos de viver

tanto, quando só o que é preciso é saber

que temos de viver.

Podíamos saber um pouco mais

do amor. Mas não seria isso que nos faria deixar

de amar ao saber exactamente o que é o amor, ou

amar mais ainda ao descobrir que, mesmo assim, nada

sabemos do amor.

Nuno Júdice

quarta-feira, 16 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


A melhor maneira de acabar com uma tentação é ceder a ela.

Oscar Wilde

Legenda: pintura de  Michael Ancher

OLHAR AS CAPAS


Raiz de Orvalho e Outros Poemas

Mia Couto

Capa: Rui Garrido

Editorial Caminho, Lisboa, Março de 2018

Para Ti

Foi para ti
que desfolhei a chuva
para ti soltei o perfume da terra
toquei no nada
e para ti foi tudo

Para ti criei todas as palavras
e todas me faltaram
no minuto em que talhei
o sabor do sempre

Para ti dei voz
às minhas mãos
abri os gomos do tempo
assaltei o mundo
e pensei que tudo estava em nós
nesse doce engano
de tudo sermos donos
sem nada termos
simplesmente porque era de noite
e não dormíamos
eu descia em teu peito
para me procurar
e antes que a escuridão
nos cingisse a cintura
ficávamos nos olhos
vivendo de um só
amando de uma só vida

MÚSICA PELA MANHÃ

Se ainda andasse por aqui, a ajudar-nos a passar os dias tão difíceis que vamos vivendo, Leonard Cohen, no dia 21 de Setembro, teria feito 90 anos.

Quando a Academia sueca, num suave devaneio, entregou o Nobel da Literatura a Bob Dylan, não desesperei mas sempre entendi que, se o tempo era de variar, ele teria ficado melhor nas mãos de Leonard Cohen.

Leonard Cohen é um abençoado santo do meu panteão musical.

Esta bonita capa é do disco em que Jennifer Warnes canta canções de Cohen.

 Jennifer amiúde foi suporte – brilhante, também -  nos discos e nos concertos de Cohen.

Infelizmente, esta sua aparição a solo não teve, pelo menos por aqui, a aceitação que bem merecia.

Provavelmente conhecem-na melhor no dueto que fez com Joe Cocker, tema Up Where We Belong do filme Oficial e Cavalheiro e com Bill Medley, tema Time of your life do filme Dirty Dancing.

Ela trata de uma maneira simples e amável as canções de Cohen, ao ponto de este ter dito que First We Take Manhattan saíu melhor que o original.

Cortesia do mestre, cumplicidades várias, provavelmente ditas depois de uma épica e caríssima garrafa de tinto, seguida de uma grande cigarrada.

No disco, Jennifer faz dueto com Cohen em Joan of Arc e Cohen desenhou: Jenny Sings Lenny.

Lembrando Cohen, transcrevo o poema Famoso Impermeável Azul, um lindíssimo poema, uma canção quase única, servindo-me de uma tradução de José Alfredo Marques no seu livro 59 Canções de Amor e Ódio e Um Poema Sobre Portugal:

São quatro da manhã

fim de Dezembro

Escrevo-te agora,

só para saber se estás melhor.

Nova York é fria

mas gosto do sítio onde vivo

Há música na Rua Clinton

durante toda a noite.

Ouvi dizer que estás a construir a tua casinha,

no mais fundo do deserto.

Agora vives para nada,

Espero que mantenhas alguma espécie de recordações.

Sim, Jane voltou

trazendo um anel do teu cabelo.

Disse que lho havias dado

naquela noite em que tencionaste abrir o coração.

Alguma vez abriste o teu coração?

Oh, a última vez que te vimos parecias ter envelhecido tanto!

O teu famoso impermeável azul estava rasgado no ombro.

Tinhas ido `*a estação esperar todos os comboios

e voltaste para cas sem Lili Marlene

E convidaste a minha mulher para uma centelha da tua vida.

Quando regressou, já não era mulher de ninguém.

Imagino-te aí, com uma rosa nos dentes,

um ladrão cigano e escanzelado.

Sei que Jane partiu.

Ela manda cumprimentos.

Que te posso eu dizer, meu irmão, meu assassino?

Que te posso eu dizer?

Acho que vou sentir a tua falta.

Acho que te perdoo.

Estou contente por teres surgido no meu caminho.

Se algum dia voltares aqui,

por Jane ou por mim,

o teu inimigo está adormecido

e a sua mulher livre.

Sim, E obrigado pelo pesar que tiraste dos seus olhos.

Eu julgava que era próprio,

e por isso nunca tinha tentado.

E Jane voltou trazendo um anel do teu cabelo.

Disse que lho havias dado

naquela noite em que tencionaste abrir o coração.

Sinceramente, L. Cohen


terça-feira, 15 de outubro de 2024

AVISO À NAVEGAÇÃO


Este blogue tem andado um tanto ou quanto a fugir à normalidade.

Dias que se supõe estarem ultrapassados.

Os necessários pedidos de desculpa pelos tropeções que este Cais tem sofrido, aqui ficam.

Obrigado pela compreensão.

domingo, 13 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS

O Caso República

Edição dos Autores: Francisco S. Costa e António P. Rodrigues, Lisboa, Junho de 1975

O conflito na «República», começara praticamente no início do mês de Maio, altura em que os trabalhadores dos sectores gráficos e administrativos se opuseram à admissão de mais dois jornalistas, que consideraram afectos ao Partido Socialista.

Não é segredo para ninguém que a «República» tem toda a tendência socialista, jornalistas e leitores socialistas… mas isso não é crime nenhum.

DITOS & REDITOS


O outro lado da rua.

Um café à beira do abismo.

Assim visto de longe.

A inércia é filha do frio.

O gozo de estragar o bonitinho.

É importante ouvirmos o que precisamos.

Em qualquer papel se anota um verso.

Além do que os olhos veem há muito mais.

sexta-feira, 11 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


Mulheres Portuguesas na Resistência

Rose Nery Nobre de Melo

Capa: Henrique Ruivo

O turno seguinte trouxe-me um «pide» que me disse:

-Então a senhora já está disposta a falar, ou não? A senhora, pelos vistos está a gostar disto! É que, sabe, aqui na Polícia toda a gente fala. Quando não querem falar às boas, temos que ir por outros caminhos.

Num dia desses, o Tinoco, já sem saber como convencer a trair o meu Partido, resolveu dizer-me que o meu marido tinha resolvido abandonar o Partido porque já estava muito cansado e que me mandava dizer que me fosse também embora. Apesar de já ter a minha cabeça em água, conservei sempre o tino e soube distinguir as verdades das mentiras que me diziam. Por isso, respondi-lhe que um verdadeiro comunista, como o meu marido era, nunca daria um passo desses.

-Ah, não? Ele até escreveu uma carta repudiando o Partido…

Fiquei fora de mim e, num ímpeto, corri para ele e disse-lhe:

- Mostre-me lá essa carta. Dê-ma na minha mão.

Confesso que foi uma fraqueza que ele aproveitou logo para me dizer:

- Ah, a senhora não acredita no seu companheiro…

Deu dois murros na mesa e retirou-se, para entrar na sala momentos depois acompanhado pelo Rosa Casaco.

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

POSTAIS SEM SELO


Vivemos tempos em que precisamos de mais contemplação e o chá convida a isso.

Nina Gruntkowski

VER CLARO

Toda a poesia é luminosa,
até a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol,
nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar outra vez e outra vez
e outra vez a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.

 Eugénio de Andrade de Os Sulcos da Sede em Poesia

quarta-feira, 9 de outubro de 2024

EM BUSCA DE FLORES AZUIS NO DESERTO


A 7 de Outubro de 2023: o Hamas entrou em Israel, agredindo, provocando a morte de milhares de cidadãos: uma chacina.

Israelitas retaliaram e, passado um ano, continuam a retaliar, provocando um genocídio em Gaza.

Ao fundo deste túnel, apenas morte, destruição, a escuridão.

terça-feira, 8 de outubro de 2024

POEMA

 Café instantâneo com natas ligeiramente amargas

e um telefonema para o além

que não parece estar a aproximar-se.

«Ah pai, quero ficar bêbedo muitos dias»

da poesia de um novo amigo

a minha vida precariamente sustida nas mãos

videntes de outros, as suas e minha impossibilidades.

É isto amor, agora que o primeiro amor

finalmente morreu, no qual não havia impossibilidades?

 

Frank O’Hara em Vinte e Cinco Poemas à Hora do Almoço

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

OLHAR AS CAPAS


 

Poesia, Um Dia

Carlos Alberto Machado, Hélia Correia, Jaime Rocha, José Mário Silva, Margarida Vale de Gato,

Miguel-Manso

Colecção AzulCobalto

Companhia das Ilhas, Setembro de 2014

É uma ideia de aldeia, de comunidade, de partilha. Uma ideia que alastrou a uma vila, a um conselho – Vila Velha de Ródão. Começou com uma conversa entre uma bibliotecária e um escritor, corria o ano de 2011: porque não um Encontro de Poetas em Vila Velha de Ródão?

Porque não?

Temos o rio Tejo, barcos, grifos, jardins, comboio. Temos aldeias de xisto, temos museus, lagares, poetas populares. Temos uma população maravilhosa e ávida de cultura. Temos uma biblioteca, uma associação cultural, um grupo de teatro, serras, montes, ribeiros. Temos pessoas  as que gostam de ler e de discutir literatura. Temos boa comida e muitos bolos tradicionais, queijos, enchidos, azeite. Temos sol.

Da apresentação de Jaime Rocha

LUAR

Quem me põe na pena palavras que não escrevi,

Na cabeça ideias que não tive

Na vida sensações que não provei?

Levantam-me do chão dos tempos e soltam-me num céu

Aborrecido a meus olhos,

Estrangeiro.

 

Sou eu e o outro, todos os palácios,

Fúteis transferências de sentido, aves de sangue, expostas,

Embalsamadas, duplas, cidades

Da memória.

Vozes modernas inventam-me a criação das odes,

Completam-me os sonetos.

 

Não sei por que me vão falando.

A minha boca calou-se quando eu quis.

E a minha cabeça, vazia, nem em filme animado

Se padece,

Transformou-se em pedra, apagada ao luar

Que eu próprio não usei.

 

Cento e dezoito anos não são tempo

Que faça arrefecer um corpo

Escrito.

Podem ser apenas uma noite, um sonho alucinante,

Ou um dia inteiro, de natureza desperta,

Um fruto, uma folha, uma raiz.

 

Oiço dizer Seattle, e essas mudanças de clima

Que nada tem a ver com o nascimento da alma

Projectam-se no globo etéreo que a minha

Consciência em expansão

Impede que enluteça. A ética também é irmã

Do efeito de estufa das ideias.

 

Dou uma luz indirecta como a lua

Às mãos que me ressuscitam nesta tarde de sol,

De calma, de pobreza de espanto,

E muitas, muitas cicatrizes na pele do pensamento.

Somos ilhas, altivas, mas somos arquipélago,

Ó mar carbónico de fumo, aqui, à nossa volta.

 

Armando Silva Carvalho em  Resumo: a poesia em 2010.