terça-feira, 11 de janeiro de 2011

SARAMAGUEANDO


No dia 27 de Novembro de 1967, Mário Sacramento escrevia no seu “Diário”:

“Passei três dias em Lisboa, ricos de experiência humana e telúrica. E telúrica, repito, - ao arrepio do que é uso julgar-se possível intramuros de uma urbe…
Passei pela Mesa-Redonda que se realizou no Grémio dos Industriais Gráficos, sob a égide dos retratos do Carmona e do Salazar (que conservavam o olhar pudicamente fixo no infinito…)  versando a “Situação da Mulher em Portugal”. (…) Não pude, sequer, assistir aos debates, pois fora convidado a ir à recepção ao Claude Roy, em casa do Lyon de Castro. Saí à socapa, deixando o Santareno com o seu ar de potro das pradarias bebendo a amplidão, de narinas abertas e crinas ao vento; o Urbano, sofrendo uma decrepitude  precoce de fauno gasto, que as mechas de cabelo grisalho acentuam; o Salema, com o lampejo duma juventude que se extingue sem saber em que aplicar-se; o Saramago, com a imponência cachimbante de quem vale mais do que é capaz de mostrar; o Abelaira, com a voz persuasiva do microscopista dos sentimentos paradoxais, que espera encontrar neles a pedra filosofal da remanhã”

Sublinho:

“O Saramago, com a imponência cachimbante de quem vale mais do que é capaz de mostrar.”

Faltavam 31 anos para que soubéssemos que José Saramago seria Prémio Nobel da Literatura. O quanto, com essa atribuição, Mário Sacramento teria ficado feliz, mas a morte ceifou-o em 29 de Março de 1969. Também não assistiu ao 25 de Abril, ele que deixou uma Carta-Testamento em cujo final se pode ler:

“Façam o mundo melhor, ouviram? Não me obriguem a voltar cá!”

Legenda: “Diário”, Mário Sacramento, Editora Limiar, Porto 1975, capa de Armando Alves.

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