À memória de José Dias Coelho
“Éramos jovens: falávamos do âmbar
ou dos minúsculos veios de sol espesso
onde começa o vero; e sabíamos
como a música sobe às torres do trigo.
Sem vocação para a morte, víamos passar os barcos,
desatando um a um os nós do silêncio.
Pegavas num fruto: eis o espaço ardente
de ventre, espaço denso, redondo maduro,
dizias; espaço diurno onde o rumor
do sangue é um rumor de ave –
repara como voa, e poisa nos ombros
da Catarina que não cessam de matar.
Sem vocação para a morte, dizíamos. Também
ela, também ela a não tinha. Na planície
branca era uma fonte: em si trazia
um coração inclinado para a semente do fogo.
Morre-se de ter uns olhos de cristal,
morre-se de ter um corpo, quando subitamente
uma bala descobre a juventude
da nossa carne acesa até aos lábios.
Catarina, ou José – o que é um nome?
Que nome nos impede de morrer,
quando se beija a terra devagar
ou uma criança trazida pela brisa?”
Eugénio de Andrade em “Ostinato Rigore, Escrita da Terra, e Outros Epitáfios”, Editora Limiar, Porto, Abril de 1977
Legenda: “Rapaz com Gato” (1958), desenho tinta-da-china de José Dias Coelho
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