O exemplo do café é algo que trago atravessado na cabeça e na alma…como é possível que o preço do café, todo ele produzido em países paupérrimos, por agricultores que vivem em condições desumanas há séculos, esteja a ser transaccionado por um “preço de mercado”. Que mercado é esse, que define que eu possa tomar um café em Lisboa por 0,50€, e o produtor desse café morra literalmente de fome na Guatemala, em El Salvador, na Colômbia, Brasil, Timor, Quénia, etc.. O “preço de mercado” tem de garantir que o produtor e consumidor vivem condignamente…a voz do produtor não se houve acima do cafeeiro; o seu olhar nunca foi além da montanha onde nasceu e onde morre todos os dias; os seus pés descalços, apenas conhecem o carreiro para subir e descer cerros a pique, vergados sob a fome, a miséria e a pobreza absoluta, trazendo às costas os preciosos grãos de café, que nos chegam à mesa em chávenas fumegantes a “preço de mercado”. E mesmo o camião que passa e leva o café, a troco de uma mão vazia de quetzais, é escuro, sujo, decadente, ruidoso, ameaçando desmembrar-se em qualquer curva da estrada…O mercado, esse está literalmente a séculos de distância, não tem rosto, não tem família, não come nem bebe, não tem sentimentos, nem emoções. Ninguém o vê, ninguém o conhece, mas sabe-se que está sempre presente e que, como um Deus, tudo explica, tudo sabe e tudo resolve – sabiamente, já se vê…
Texto e Imagem de Idílio Freire
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