Entre 1964 e 1976, Alden Whitman fez centenas de obituários para o The New York Times e fez desse género
uma arte. Escrevia os obituários de avanço e aperfeiçoava-os pedindo
entrevistas ao futuro morto. Nesses encontros, ele tinha o pudor de não dizer
porque estava ali, mas o ex-Presidente Harry Truman, homem prático, foi direito
ao assunto: "Sei porque está aqui, pergunte lá..." Eu não faço
obituários, mas sabia que iria escrever na morte de Nelson Mandela. Sabia
também que seria incapaz de escrever de avanço sobre ela. E sabia ainda, na
hipótese inverosímil de entretanto encontrar Mandela, que nesse encontro não
lhe pediria memórias para um obituário. Pela razão inversa que está expressa na
frase de Harry Truman: ali, havia só uma personagem (o ex-Presidente) e um
mediador (o jornalista). Ora, se o assunto é a morte de Mandela, um encontro
meu com ele trazia uma outra personagem: eu. Há meses, no princípio do verão,
já a agonia de Mandela se anunciara, escrevi aqui uma crónica sobre a condição
social que mais me determinou: ser africano branco, engajado na independência
da minha terra e consciente também sobre o que ela podia trazer de mau, o
exílio, para os meus mais próximos. Escrevi: "Apetece-me dizer isto hoje
porque a minha vida só faz sentido porque houve um líder como Nelson Mandela.
Sem ele eu sentir-me-ia abusado, dano colateral, mexilhão. E não, não
sou." Há pessoas assim, morrem e só nos dá para falar de nós.
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