sábado, 13 de dezembro de 2014

DESDE QUE A NOSSA PORTA SE FECHOU

 «Estão amarelecidas as folhas dactilografadas que te mandei naquele Outono de 1944, e esbatido pelo tempo o vermelho da tinta com que foram escritas. Estão amarelecidas, e quase ilegível o que te contei. Mas conservam ainda manchas do bolo em que as introduzi. Esse bolo que o forno cozeu e depois foi levado, longe do alcance da PIDE, até às tuas mãos, na clandestinidade.

Que aperfeiçoasse o que escrevi, desenvolvesse o que pudesse, e depois fizesse «um livro, a publicar um dia», pediste na carta que as acompanhava quando mas devolveste, Já lá vão trinta e cinco anos.

Não cumpri, então, o teu pedido. E se hoje o faço é porque ele não mais se apagou na minha lembrança. Só que a dúvida persiste. A quem poderá interessar o que a ati tanto interessou? Quem quererá saber, decorridos, o que se passou comigo naqueles meses de Maio e Junho, desde que a nossa porta se fechou sobre a tua fuga, até à minha saída da prisão?

Seja como for, e embora volvidos trinta anos após a tua morte, as cartas aqui estão, feitas no pequeno livro que desejaste, e que escrevi, com a minha saudade em tua memória.»


Palavras de abertura do livro Eles Vieram de Madrugada (Dezembro de 1979), as Cartas da Clandestinidade que Manuela Câncio Reis, mulher de Soeiro Pereira Gomes, lhe escreveu.

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