sábado, 6 de dezembro de 2014

QUANDO A NOTÍCIA CORREU


quando a notícia correu
de coração em coração
as ruas ficaram geladas
as casas ficaram geladas

cada um tentava imaginar
entre os punhais do desespero
a última vez que o vira
a última vez que o ouvira

a última esquina o último nome
o último olhar do companheiro
a última lição do companheiro
a última lição do companheiro

e tu que só lhe conhecias
um pedaço do rosto e tu do riso
sentiste à volta a mesma solidão
a mesma desolada solidão

oh um minuto apenas um minuto
abandono das horas desgraçadas
põe-nos a mão de ferro sobre os ombros
o desespero do luto sobre os ombros

de pé bebo no choro inconformado
a tormentosa rebeldia amarga
que entre lágrimas nasce
que entre lágrimas cresce

homens casas árvores caminhos
parar um breve instante
varrei as ruas de silêncio
chicoteai  as ruas de silêncio

uma bandeira negra de silêncio
desfraldai sobre as casas
que este silêncio fala
que este silêncio arde

Mário Dionísio em O Riso Dissonante


Nota do editor; poema escrito quando Mário Dionísio soube da morte de Soeiro Pereira Gomes

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