É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é
assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade,
a isenção, o bom senso, a simples tineta.»
O que perde o futebol não é o jogo propriamente dito,
mas todo o barulho que se faz à volta dele. É impossível a gente alhear-se do
futebol, falado, comentado, transmitido, relatado, visto, ouvido, apostado,
gritado, uivado, ladrado, festejado, bebido. O futebol passa deste modo a ser
uma chateação permanente. É que não há tasca, pastelaria, sala de jogos,
barbearia, recanto de jardim público, quiosque, bomba de gasolina, restaurante,
Assembleia da República, supermercado, hipermercado, livraria, loja, montra,
escritório, colégio, oficina, fábrica, habitação, diria até, onde, de algum
modo, não se ouça falar do jogo que decorre, decorreu ou decorrerá. Quando há
transmissão via TV ou Rádio, então a infernização é total. Passam sujeitos na
rua de transístor aberto para ouvir o relato, para sofrer e fazer sofrer quem
gosta (ou não) de futebol, ouvem-se súbitos gritos guturais, alarido dos
diabos. Em casas de comida (pasto), pastelarias, etc., só se vê gente de
pescoço esticado para o pequeno ecrã, alguns acompanhando simultaneamente com o
rádio de bolso o jogo que está a ver. Isto sem contar com o que vem das
residências particulares, quando o calor aperta e as janelas estão abertas.
Depois, aparecem os jornais desportivos e os jornais não desportivos, os
críticos, os especialistas, os entrevistadores, os grandes títulos tantas vezes
perfeitamente idiotas, como o da presente crónica, para não me furtar ao exemplo.
Enfim, o País fica futebol.
É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade, a isenção, o bom senso, a simples tineta. Que futebol pode ser um jogo lindo, emocionante, que dúvida! Ainda há momentos (estou a escrever no domingo) acabei de telever o Portugal-Espanha chutado e dei comigo aos pulos, abraçado a um filho de oito anos de idade - ainda relativamente ileso -, quando os nossos patrícios meteram o seu golo. Eu estava apanhado apenas por razões patrioteiras, que o jogo foi fraco, embora o golo tenha sido lindo.
Mas que vem a ser isto? Então eu que, ao contrário do que é costume, até gosto dos espanhóis, vou deixar-me caçar assim? Que tenho eu a ver, no fundo, com a equipa-de-todos-nós, agora exaltada num hino que dá vontade de rir?
Nestas coisas tem de se cortar cerce: nunca mais vou chupar desse tabaco que se chama futebol. Em todo o caso, sempre quero dizer que eu, se fosse o Cabrita, tinha metido o Gomes, pelo menos na segunda parte, ou estarão a poupar-lhe as pernas para o Inter de Milão?
É grave? Não é grave? Sei lá. Verifico, apenas, que é assim por toda a parte. E isso massacra, desgosta, faz perder a razoabilidade, a isenção, o bom senso, a simples tineta. Que futebol pode ser um jogo lindo, emocionante, que dúvida! Ainda há momentos (estou a escrever no domingo) acabei de telever o Portugal-Espanha chutado e dei comigo aos pulos, abraçado a um filho de oito anos de idade - ainda relativamente ileso -, quando os nossos patrícios meteram o seu golo. Eu estava apanhado apenas por razões patrioteiras, que o jogo foi fraco, embora o golo tenha sido lindo.
Mas que vem a ser isto? Então eu que, ao contrário do que é costume, até gosto dos espanhóis, vou deixar-me caçar assim? Que tenho eu a ver, no fundo, com a equipa-de-todos-nós, agora exaltada num hino que dá vontade de rir?
Nestas coisas tem de se cortar cerce: nunca mais vou chupar desse tabaco que se chama futebol. Em todo o caso, sempre quero dizer que eu, se fosse o Cabrita, tinha metido o Gomes, pelo menos na segunda parte, ou estarão a poupar-lhe as pernas para o Inter de Milão?
Alexandre O’
Neill, crónica publicada no JL de 19 de Junho de 1984 e antologiada
em Já Cá Não Está Quem Falou.
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