sábado, 9 de maio de 2015

OLHAR AS CAPAS


Alvorada em Abril

Otelo saraiva de Carvalho
Prefácio: Eduardo Lourenço
Capa: José Cândido
Bertrand Editora, Lisboa, Dezembro de 1977

O gracejo final fora chocho. Tinha a sensação de que o panorama se apresentava negro. Tentei dar-lhe uma pincelada de cor:
- Mas não te apoquentes com nada disso nem tenhas pensamentos desse género. Porque eu tenho a certeza de que, em poucas horas, ganharemos esta guerra. Dominamos quase todas as unidades do País, a malta está com uma gana formidável, temos a nosso favor o efeito surpresa. É canja!
Ela quis também dar ao ambiente um pequeno toque de humor:
- Queres então dizer com isso que amanhã não vamos à ópera?
Tinha-me esquecido completamente do assunto. Comprara bilhetes para a Traviata, que se cantava na noite de 24 no Coliseu dos Recreios, aproveitando o preço mais baixo que nos era facultado através da Secção de Actividades Culturais e Recreativas da Academia Militar.
- Olha, guarda-os para recordação. É claro que não vamos.
Com o permanente espírito de economia caseira retorquiu:
- Leva-os antes contigo e procura entregá-los amanhã na Academia. Pode ser que devolvam o dinheiro.
- Não vou fazer isso. Entregá-los agora depois de tanto os ter pedido, dizendo que já não me interessa, pode levantar qualquer suspeita. Paciência. Outra vez virá. Além disso, já vimos a Traviata do alto do galinheiro do São Carlos.
Ainda hoje tenho comigo esses bilhetes. No sobrescrito timbrado da Academia Militar dentro do qual mos entregaram, minha mulher inscreveria mais tarde a frase: "Faltámos por motivo imprevisto".

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