O prazer
inigualável da releitura dos livros de Saramago.
O gosto das
releituras reside, essencialmente no encontrar de ideias e palavras que nos
escaparam numa primeira leitura.
Um livro incómodo,
por vezes, de uma violência que passa limites, mas que é tão real nos dias reais
que vão correndo.
Cegos são os que
não querem ver ou aqueles que fecham os olhos ao girar do mundo.
A epígrafe:
Se podes olhar, vê. Se pode ver, repara.
(Pág. 9)
(Pág. 9)
Devagar, ainda mais devagar, arrastando o corpo,
voltou para trás, para o lugar aonde pertencia, passou ao lado de cegos que
pareciam sonâmbulos, sonâmbula ela também para eles, nem tinha que fingir que
estava cega. Os cegos enamorados já não estavam de mãos dadas, dormiam deitados
ao aldo, encolhidos para conservarem o calor, ela na concha formada pelo corpo
dele, afinal, reparando melhor, tinham-se dado as mãos, o braço dele por cima
do corpo dela, os dedos entrelaçados. Lá dentro, na camarata, a cega que não
conseguia dormir continuava sentada na cama, à espera de que a fadiga do corpo
fosse tal que acabasse por render a resistência obstinada da amente. Todos os
outros pareciam dormir, alguns com a cabeça tapada, como se ainda estivessem à
procura de uma escuridão impossível.
(Pág. 158)
Haverá um governo, disse o primeiro cego. Não creio,
mas no caso de o haver, será um governo de cegos a quererem governar cegos,
isto é, o nada a pretender organizar o nada, Então não há futuro, disse o velho
da venda preta, Não sei se haverá futuro, do que agora se trata é de saber como
poderemos viver neste presente, Sem futuro, o presente não serve para nada, é
como se não existisse, Pode ser que a humanidade venha a conseguir viver sem
olhos, mas então deixará de ser humanidade, o resultado está à vista, qual de
nós se considera ainda tão humano como antes cria ser.
(Pág. 244)
O mundo está cheio de cegos vivos, Eu acho que vamos
morrer todos, é uma questão de temo, Morrer sempre foi uma questão de tempo,
disse o médico, Mas morrer só porque se está cego deve haver pior maneira de
morrer, Morremos de doenças, de acidentes, de acasos, E agora morreremos também
porque estamos cegos.
(Pág. 282)
Os homens são todos iguais, pensam que basta ter
nascido de uma barriga de mulher para saber tudo de mulheres.
(Pág. 290)
Por que foi que cegámos, Não sei, talvez um dia se
chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos,
penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.
(Pág. 310)
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