As Novas Mil e uma Noites
Robert Louis
Stevenson
Tradução:
Catarina Rocha Lima
Capa: A.
Pedro
Colecção
Vampiro nº 660
Livros do
Brasil, Lisboa, Julho de 2002
- Se é assim, como se pode dizer que ele é
um poeta moral? --disse Mark. - Quer dizer, olha o que ele faz. Olha para o
comportamento dele. Nunca usa um sinal de alarme ou uma bóia de salvação e, o
que é mais, nunca dá a entender que tem alguma à mão para ser usada por alguém
ou por ele próprio.
- Não.
- Como se podem aplicar juízos morais quando
vemos quantas direcções ele toma ao mesmo tempo? Será que ele não tem já
problemas suficientes? Olha até onde ele chega. Encontra-se consigo próprio
regressando, afunda-se até aos joelhos, esquece a deriva, foge consigo próprio,
retira-se para a geometria, recusa os becos sem saída, fica entregue a si
próprio, e acaba quase sempre por perder todas as jogadas. Mas o pano, meu
caro, nunca se rompe. A corda esticada está sempre bem esticada. Ele aguenta o
negócio, é o que é, e se desatasse a fazer juízos morais ia à bancarrota como
os outros.
- O problema com Shakespeare --disse Pete,
batendo na mesa-- é que ele nunca equaciona o homem em relação à ideia e dá
sugestões quanto ao resultado final.
- Não era do género de fazer apostas.
- Punha as coisas a nu, é tudo. Desafio
qualquer um que tenha dito que ele via o bem e o mal como abstracções. Não via.
É certo que o nosso próprio sentido moral, tal como é, poderá ser obliterado
durante este processo. E se tormarmos essa obliteração como um mal, poderemos
considerar Shakespeare como um poeta imoral. Mas por outro lado, enquanto a
experiência neutraliza a nossa própria moralidade, devemos manter certos
critérios pelos quais medir toda a questão. Se não tivermos pontos de
referência, será uma experiência perdida.
- E então?
- O que acontece é uma substituição. Nós
temos, em vez de uma moral vulgar de Lineu -- uma convenção socioreligiosa
assente no acordo dos homens para viverem em comum--, temos em vez disso o
simples facto de que o homem é o seu próprio juiz involuntário, porque sendo
capaz de escolhas ele está obrigado a aceitar a responsabilidade das suas
acções. Poderia então dizer-se que, na medida em que põe isso em realce, ele é
um poeta moral.
- Ah. Mas então em que ficamos agora?
- De volta ao nosso ponto de partida.
- Que é o quê?
- De volta à cerveja --disse Pete.- Fala
comigo quando eu estiver sóbrio. Toda esta questão está tão cheia de incógnitas
que até me dá azia.
- Que é que bebes?
- A mesma coisa.
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