A Fenda Erótica
Hélia
Correia
Capa: João
Segurado
Edições O
Jornal, Lisboa, Março de 1988
Eu era rapazinho quando Maruja entrou na
minha vida. Apareceu a morar com os avós num andar do meu prédio. E era ruiva,
via-se que ninguém conseguia domar aquela imensa rama de cabelos que chispava,
feroz, em torno da pele melada e dos olhos muito azuis. Usava golas brancas,
quadradas sobre as costas, de modo a por assim exibir prova das suas ascendências
marinheiras. O pai, contava ela, morrera num naufrágio, deixara-se afundar com
o navio. E ela própria já dera a volta ao mundo. Sobre a mãe não falava e, como
tinha o dom tão raro nas crianças de inspirar confiança e esfriar tentativas de
mais intimidade, nunca nenhum de nós lhe perguntou por ela. À Maruja, as
perguntas que podiam fazer-se eram sobre piratas ou ruelas chinesas – jamais
sobre a família ou hábitos domésticos.
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