sábado, 20 de agosto de 2016

OLHAR AS CAPAS


A Fenda Erótica

Hélia Correia
Capa: João Segurado
Edições O Jornal, Lisboa, Março de 1988

Eu era rapazinho quando Maruja entrou na minha vida. Apareceu a morar com os avós num andar do meu prédio. E era ruiva, via-se que ninguém conseguia domar aquela imensa rama de cabelos que chispava, feroz, em torno da pele melada e dos olhos muito azuis. Usava golas brancas, quadradas sobre as costas, de modo a por assim exibir prova das suas ascendências marinheiras. O pai, contava ela, morrera num naufrágio, deixara-se afundar com o navio. E ela própria já dera a volta ao mundo. Sobre a mãe não falava e, como tinha o dom tão raro nas crianças de inspirar confiança e esfriar tentativas de mais intimidade, nunca nenhum de nós lhe perguntou por ela. À Maruja, as perguntas que podiam fazer-se eram sobre piratas ou ruelas chinesas – jamais sobre a família ou hábitos domésticos.

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