Ainda se encontram terras singulares neste
país. Desterradas do mundo e obrigadas a serem um mundo, criam-no à sua medida,
com todo o sentido prático que a necessidade impõe, e toda a liberdade
imaginativa que os lazeres permitem. O bafo de cada habitante a aquecer o
vizinho, a carga de presuntos a servir de unidade monetária, a lei codificada
em parábolas, histórias fantásticas em que os penedos, cansados da incómoda
imobilidade milenária, mudam ardilosamente de posição, e torres de cortiços
sobrepostos permitem alargar os horizontes da inquietação emparedada. O real e
o irreal agasalhados no mesmo gabão. Nós sociais apertados, que nenhuma força
centrífuga consegue desatar, correspondem sempre a nós cegos telúricos que a
natureza não deixa desfazer. E há nem sei que sedução envolvente bessa coesa
harmonia entre o antropológico e o geográfico – a eternidade humana reflectida
no espelho da eternidade panorâmica.
Miguel
Torga, Diário Volume X
Legenda:
Fajão
O texto de
Miguel Torga está datado de 21 de Julho de 1968
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