A aldeia, encostada à Ria de Aveiro, tem uma boa
mancheia de habitantes dependendo da terra ou das fábricas próximas, meia dúzia
de cafés vulgares, uma estação dos Correios, uma cabine telefónica, uma agência
bancária, dois carros de praça e um largo ajardinado com um quiosque e uma
estátua. Já houve calafates, hoje resta um em actividade; o próprio sindicato
da classe fechou. Às três da tarde de todos os Verões os senhores cansados
dormem a sesta.
A estátua deveria simbolizar o Emigrante mas falhou
miseravelmente porque se parece com a deum poeta que lá mais para o Norte
noutro quadrado do mapa. Como se não bastasse esse desaforo a Junta de
freguesia lembrou-se de embelezar o pedestal com uns versos tão cruéis que
talvez só o autor os siaba de memória. A melhor estatuária local são ios bustos
de Simón Bolivar espalhados pelos quaintais dos «venezuelanos», há um que brinda
mesmo ao «libertador da Pátria».
Sempre que regresso numa data qualquer do mês de Agosto,
o meu primeiro cuidado é arrumar os livros no escritório do falecido senhor meu
sogro, ir ao bazar por papel e canetas de feltro, e esperar a manhã inaugural
das férias com uma impaciência feita de sobressaltos e alta voltagem arterial.
Na manhã seguinte eles lá estão, os melros, aquecendo a gorja para me saudarem.
Primos irmãos, não escondem o afecto nem eu lhes perdoaria tal. Houve um que
vinha cantar-me no rebordo do grande alpendre, fiado no professor francês: «E
para começar, música!»
Se era lição aprendi-a porém mal, pois cada vez mais a
dissonância vem tomando conta da minha poesia, ao ponto de poder ser confundida
com prosa baça. Pouca vigilância, talento disperso: uma explica o outro, e vão
vividos os anos suficientes para eu não mudar um mícron que seja. Agora espero
a velhice e dentro dela a morte surda.
Fernando Assis
Pacheco em Respiração Assistida
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