sexta-feira, 22 de março de 2019

VILA AMARAL


Nasci em casa, na Rua Mestre António Martins, ali à Penha de França.
Decorria o parto e a minha avó tinha uma galinha a coser. Acreditem ou não, fiquei com o cheiro da hortelã que salpicava a canja.

Nas traseiras havia quintais, hortas, urtigas e azedas, batatas e couves diversas, lagartixas espreguiçavam-se, corriam pelas pedras dos muros.

E havia a Vila Amaral, terra aberta às brincadeiras, às púrrias.

Foi nessas hortas muradas que olhei os primeiros girassóis de que guardei o gosto, que, muitos anos depois, Van Gogh haveria de prolongar e consolidar.

As quintas, os quintais, as hortas já não existem, deram lugar a prédios mas a Vila Amaral sim, e ainda lá estão as casas-barracas, constituindo um estreito e comprido corredor.


Havia os rapazes da rua Mestre António Martins e a malta ranhosa da Vila Amaral.

A minha infância dividiu-se entre os rapazes da rua e a malta que vivia na vila.

Dos pais da malta miúda que vivia na Mestre António Martins, apenas o meu não proibiu o convívio com a malta da vila. Essa malta era a que eu preferia para passar os dias. Muitos anos depois, a minha avó materna diria que não cheguei a doutor nem a engenheiro porque preferi esse convívio onde nada se aprendia.

Sim, não cheguei e doutor nem engenheiro, mas aprendi vivências e solidariedades, outras maneiras não de viver, mas sobreviver.

A pátria da minha infância.

A infância não envelhece, escreveu algures o Dinis Machado.

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