Ter o exacto
pressentimento de que não me deveria meter nisto.
Claro que ainda
se pode dizer que vivemos os últimos dias da estação estúpida, mas – bolas! –
nunca fui homem de ferro e não seria agora que passava a ser.
Ida ao barbeiro
para aparar os poucos cabelos que restam,
O senhor Vítor é
o barbeiro do bairro – devo-lhe, há anos, um texto com fotografias e tudo, a
colocar aqui no Cais - , que há largo tempo frequento.
Apesar de ser
Verão, cheguei e o senhor Vítor ainda estava às voltas com um cliente. Tempo de
esperar e folhear os jornais e revistas que por ali estão. Os clientes compram,
lêem, dão duas de conversa com o Sr. Vítor e deixam-lhe as revistas e os
jornais para desfrute da clientela.
Peguei numa
revista-dita-dor-de-rosa porque na capa vinha o ex-Dono Disto Tudo.
Fiquei basbaque
a olhar para aquilo e digo-vos, desde já, que foi algo que me perturbou até ao
limiar do vómito.
Calculava que as
coisas assim se passassem, ia dizendo não pode ser possível, mas está ali tudo,
ou quase tudo.
A personagem continua
a fazer a faustosa vida que sempre fez.
As férias na
Comporta – as finanças já não tinham tomado conta daquilo? – têm algumas
variantes: já não vão com tanta frequência aos restaurantes caríssimos da zona,
o «Sal» ou o «Sublime», preferem encomendar a comidinha que prontamente lhes é
levada a casa, e já não utilizam cartões, tudo é pago em dinheiro.
Por detrás de
tudo isto estão todos os coniventes na enganosa e derradeira «expansão» do BES:
o governador do Banco de Portugal, o ex-presidente Cavaco Silva –«para serem
mais honestos do que eu têm de nascer duas vezes.» - todos os capachos e
capachinhos que viveram à sombra das salgalhadas do BES.
Gente que devia
estar a pão-e-água numa prisão ou num asilo.
Mas não,
passeiam-se por aí, gozam férias paradisíacas, vestem bem, comem do melhor, deslocam-se
em carros topo-de-gama.
Gente ingénua,
também gananciosa, embalada por cantos de sereia, entregou-lhes as poupanças de
uma vida.
Ficaram sem
nada.
Uns não
aguentaram o embate e suicidaram-se.
Outros estão a
sobreviver rodeados de terríveis dificuldades.
Tenho a velada
(?) ideia de que os casos de justiça que envolvem José Sócrates, Ricardo
Salgado, outros personagens, acabarão por não dar em nada.
Os olhos
continuam incrédulos a mirar a revista de sargeta, que peço emprestada ao
senhor Vítor para fazer o recorte testemunhante.
Escreve o
repórter: «houve muita gente que pensava que Ricardo Salgado não voltava a por
os pés na sua amada Comporta, mas tal não tem acontecido. Compra os jornais na
papelaria da povoação e ninguém esconde a simpatia que nutrem pelo casal. Diz o
proprietário: «São meus amigos. Gosto muito dele, é muito educado e atenciosos
dá sempre os bons dias e pergunta se está tudo a correr bem. Aqui a gente protege-o
muito e evita dizer se ele está ou não, para não o incomodarem nas férias. O
que dizem dele até pode ser verdade, mas a meu ver, há tantos negócios que
correm mal… o dele foi um desses.»
Ainda o
repórter: «Cristão praticante, mesmo estando de féria, Ricardo Salgado não
falta às homilias semanais numa igreja local.»
Se esse tal Deus
existe, e só ele sabe da tranquilidade do meu ateísmo e do respeito que tenho
pela fé dos outros, apresto-me a gritar:
«Deus, não lhes dês o perdão porque eles sabem o que
fazem!»
Esta gentalha
merece todo o meu desprezo.
Estou
desesperado, continuo a ter o exacto pressentimento de que não me deveria meter
nisto… claro que não sou de ferro... também faz-se tarde e, como diria o Astérix, tenho um javali ao lume.
4 comentários:
As palavras do "protector" de Salgado, são um bom retrato de muitos portugueses, que ainda parecem viver numa monarquia feudal, adorando prestar vassalagem aos "senhores", mesmo que sejam canalha da pior espécie (como é o caso...).
Fica-me mal dizer isto, mas este nosso país é tão rasca, Sammy.
O meu português torna-se mais medíocre quando tenho de escrever sobre estes personagens.
O amargo e lúcido Jorge de Sena abre assim um poema: «Que adianta dizer-se que é um país de sacanas?»
Tenho a certeza que deveria ter passado esta porcaria sem escrever uma palavra. Mas se não escrevesse também não ficaria bem.
Donde, alivio a bílis voltando a Sena, a este dístico: «De uma palavra sei que tem sentido: é desespero: não importa a causa.»
Sobre a tal vassalagem, de que fala o Luís, lembra-se que aquele rapaz, Carlos Silva, que é secretário-geral da UGT, ter dito aos jornalistas que não aceitou o cargo sem ter falado com Ricardo Salgado, seu patrão?
Não acredito, mas dizem que há bruxas.
Peguei nos «40 Anos de Servidão» do Jorge de Sena e salta-me de lá uma folha com um texto copiado do «Largo da Memória» que entendi, nesse tempo, publicar aqui no Cais e por um qualquer motivo ficou no olvido. Vou repescá-lo porque gosto muito.
Trata-se da «Carreira da Saudade» de Joaquim Nascimento. Aliás, de Joaquim Nascimento, roubados do «Largo da Memória» publiquei outros textos. Este de que falo agora, será publicado, com a devida vénia, no domingo que, como dizia Manuel da Fonseca, é o dia para um homem fazer as coisas mais belas da vida.
Abraço
Isto é a VERGONHA de um país!
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