Que farei com as minhas cassettes?
Sou um tipo antigo. No meio da parafernália de aplicações
que existem ainda ouço cassettes, ainda ouço discos de vinil.
Há uns anos o velho reprodutor de cassettes deu o grande
berro.
Não encontrei quem mo reparasse.
Na Feira da Ladra comprei um outro. O rapaz que mo vendeu
não me deu grandes garantias. Mas ainda durou três anos. Agora recusou-se a
emitir mais sons.
Voltei à velha feira.
O tal rapaz ainda lá está mas não tem nenhum reprodutor
para vender. Disse mesmo que depois de me ter vendido o que trouxe para casa,
nunca mais lhe apareceram outros.
Perguntei por perspectivas.
Abanou a cabeça.
Que farei com as minhas cassettes?
Aquelas horas e horas em que passei a gravar as mais
variadas e espectaculares selecções de música. Sâo 387 cassettes e já não estou
a incluir todas as cassettes que gravei para o meu pai.
Quando gravava aquelas cassettes sentia-me membro de um
clube exclusivo e em que me espantava, tal como Groucho Marx, pela existência de um clube
que me aceitava como sócio.
Sinto que me invade uma imensa tristeza, uma tristeza sem
nome se é que a tristeza precisa de ter nome
Que farei com as minhas cassettes?
Para já, à parte, irei rever High Fidelity, aquele filme
de Stephen Frears, saído do livro homónimo de Nick Hornby.
E enquanto isso não acontece, saco o livro da estante e apresso-me
a reproduzir este pedacinho:
«Passei horas a alinhar a cassete. Para mim, gravar
uma cassete é como escrever uma carta – tenho de apagar muito, repensar e
começar outra vez de início, e eu queria que a cassete ficasse boa, porque…
para falar verdade, porque nunca tinha conhecido nenhuma mulher tão promissora
como a Laura desde que tinha começado a pôr música, e conhecer mulheres
promissoras era parte da profissão.
É difícil fazer uma boa cassete de compilação, tal como é difícil acabar uma relação. É preciso abrir com uma música surpreendente, para captar a atenção (comecei com “Got To Get You Off My Mind”, mas a seguir percebi que ela podia não passar da primeira faixa do lado A se eu desse logo tudo, por isso encaixei-a a meio do lado B), e depois sem se pôr uma mais enérgica ou mais calma, e não se pode misturar música branca com música negra, a menos que a música branca seja parecida com música negra, e não se pode pôr duas faixas do mesmo artista ao lado uma da outra, a menos que se tenha posto todas aos pares, e… oh, há imensas regras.
Seja como for, fartei-me de trabalhar, e ainda tenho meia dúzia de “demos” antigas espalhadas pela casa, cassetes-protótipo em relação às quais fui mudando de ideias. E na sexta-feira à noite, tirei-a do bolso do blusão quando ela veio ter comigo, e seguimos caminho a partir dai. Foi um bom início.»
É difícil fazer uma boa cassete de compilação, tal como é difícil acabar uma relação. É preciso abrir com uma música surpreendente, para captar a atenção (comecei com “Got To Get You Off My Mind”, mas a seguir percebi que ela podia não passar da primeira faixa do lado A se eu desse logo tudo, por isso encaixei-a a meio do lado B), e depois sem se pôr uma mais enérgica ou mais calma, e não se pode misturar música branca com música negra, a menos que a música branca seja parecida com música negra, e não se pode pôr duas faixas do mesmo artista ao lado uma da outra, a menos que se tenha posto todas aos pares, e… oh, há imensas regras.
Seja como for, fartei-me de trabalhar, e ainda tenho meia dúzia de “demos” antigas espalhadas pela casa, cassetes-protótipo em relação às quais fui mudando de ideias. E na sexta-feira à noite, tirei-a do bolso do blusão quando ela veio ter comigo, e seguimos caminho a partir dai. Foi um bom início.»
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