domingo, 29 de setembro de 2019

AS LEITURAS ERAM PARTILHADAS


Mário de Carvalho ri-se com vontade durante um bom bocado, antes de caracterizar o ambiente em que se vivia nesses idos tempos: «No final dos anos 60, nós líamos muito e as leituras eram partilhadas, líamos as mesmas coisas e conversávamos e discutíamos e vivíamos em ambiente intelectual. Os casais que se visitavam, os grupos que se reuniam, iam ao cinema, ao teatro, partilhavam tudo isso.» Só que «isso era antes», remata o escritor que publica há mais de três décadas e que tem a clara percepção desse antes e de um depois desse antes em que existia, por exemplo, em Portugal, «uma crítica literária, que cumpria o seu papel e tinha a sua importância.» Depois, que é como quem diz, agora, na sua opinião, passou a haver «apenas a publicidade a livros anglo-saxónicos, e de vez em quando, um português para disfarçar, um brasileiro para disfarçar… Mas, em princípio, o facto de ser português implica logo uma secundarização. Isto é saloio, é extremamente saloio. É vergonhosos o que se passa nos jornais em termos de valorização da literatura portuguesa, que não é qualquer uma, é uma literatura de nove séculos, em alguns génios, tem um acervo, através dos séculos, de grandes escritores, que são comparáveis a outras grandes literaturas, e tudo isso é como se não existisse. E há gente que aparece a fazer aquilo que julga que é crítica literária sem ter o contexto do lastro histórico que é esse património sobre o qual a nossa literatura se está a formar. E sem ter em conta até a nossa literatura e o nosso mundo literário, e reproduzindo quase em termos de propaganda que chega a ser aflitiva, os esquemas e as posições e as imprecisões e as opiniões que aparecerem primeiro nas revistas anglo-saxónicas e no mundo anglo-saxónico. Acabam por ser uma espécie de câmaras de repercussão, de Câmaras de reprodução do que é dito por outros.»

Inês Fonseca Santos em Vale a Pena?

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