Mário de Carvalho ri-se com vontade durante um bom
bocado, antes de caracterizar o ambiente em que se vivia nesses idos tempos:
«No final dos anos 60, nós líamos muito e as leituras eram partilhadas, líamos
as mesmas coisas e conversávamos e discutíamos e vivíamos em ambiente
intelectual. Os casais que se visitavam, os grupos que se reuniam, iam ao
cinema, ao teatro, partilhavam tudo isso.» Só que «isso era antes», remata o
escritor que publica há mais de três décadas e que tem a clara percepção desse
antes e de um depois desse antes em que existia, por exemplo, em Portugal, «uma
crítica literária, que cumpria o seu papel e tinha a sua importância.» Depois,
que é como quem diz, agora, na sua opinião, passou a haver «apenas a publicidade
a livros anglo-saxónicos, e de vez em quando, um português para disfarçar, um
brasileiro para disfarçar… Mas, em princípio, o facto de ser português implica
logo uma secundarização. Isto é saloio, é extremamente saloio. É vergonhosos o
que se passa nos jornais em termos de valorização da literatura portuguesa, que
não é qualquer uma, é uma literatura de nove séculos, em alguns génios, tem um
acervo, através dos séculos, de grandes escritores, que são comparáveis a
outras grandes literaturas, e tudo isso é como se não existisse. E há gente que
aparece a fazer aquilo que julga que é crítica literária sem ter o contexto do
lastro histórico que é esse património sobre o qual a nossa literatura se está
a formar. E sem ter em conta até a nossa literatura e o nosso mundo literário,
e reproduzindo quase em termos de propaganda que chega a ser aflitiva, os
esquemas e as posições e as imprecisões e as opiniões que aparecerem primeiro
nas revistas anglo-saxónicas e no mundo anglo-saxónico. Acabam por ser uma
espécie de câmaras de repercussão, de Câmaras de reprodução do que é dito por
outros.»
Inês Fonseca
Santos em Vale a Pena?
Sem comentários:
Enviar um comentário