terça-feira, 24 de setembro de 2019

OLHAR AS CAPAS


Com a Morte na Alma
3º volume de Os Caminhos da Liberdade

Jean-Paul Sartre
Tradução: Isabel Brito
Capa: José Cândido
Livraria Bertrand, Lisboa, Maio de 1975

Aproximou-se do parapeito e começou a tirar de pé. Era uma enorme vingança; cada tiro o libertava de um antigo escrúpulo. Um tiro para Lola, que não ousei seduzir, um tiro para Marcelle, que devia ter abandonado, um tiro para Odette, com quem não quis fazer amor. Este para os livros que não ousei escrever, outro para as viagens que não me permiti fazer, outro para todos os tipos, em bloco, que tinha vontade de detestar e que procurei compreender. Disparava, fazia voar as leis, amarás o próximo como a ti mesmo, pum nesse focinho, não matarás
S , pum no hipócrita gajo da frente.  Atirava sobre o homem, sobre a virtude, sobre o mundo: a liberdade, é o terror; o fogo ardia na Câmara, queimava-lhe a cabeça: as balas assobiavam, livre como o ar, o mundo estoirará, eu também, atirou, olhou para o relógio: catorze minutos e trinta segundos: já não tinha nada a pedir para além do prazo de trinta segundos, o tempo de disparar sobre o belo oficial altivo que corria para o igreja; atirou sobre o belo oficial, sobre toda a beleza da Terra, sobre a rua, sobre as flores, sobre os jardins, sobre tudo o que amara. A beleza deu um salto obsceno de Mathieu atirou mais uma vez. Disparou: era puro, todo-poderoso, era livre.
Quinze minutos.

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