Com a Morte na Alma
3º volume de Os
Caminhos da Liberdade
Jean-Paul Sartre
Tradução: Isabel
Brito
Capa: José
Cândido
Livraria
Bertrand, Lisboa, Maio de 1975
Aproximou-se do parapeito e começou a tirar de pé. Era
uma enorme vingança; cada tiro o libertava de um antigo escrúpulo. Um tiro para
Lola, que não ousei seduzir, um tiro para Marcelle, que devia ter abandonado,
um tiro para Odette, com quem não quis fazer amor. Este para os livros que não
ousei escrever, outro para as viagens que não me permiti fazer, outro para
todos os tipos, em bloco, que tinha vontade de detestar e que procurei
compreender. Disparava, fazia voar as leis, amarás o próximo como a ti mesmo,
pum nesse focinho, não matarás
S , pum no hipócrita gajo da frente. Atirava sobre o homem, sobre a virtude, sobre
o mundo: a liberdade, é o terror; o fogo ardia na Câmara, queimava-lhe a cabeça:
as balas assobiavam, livre como o ar, o mundo estoirará, eu também, atirou,
olhou para o relógio: catorze minutos e trinta segundos: já não tinha nada a
pedir para além do prazo de trinta segundos, o tempo de disparar sobre o belo
oficial altivo que corria para o igreja; atirou sobre o belo oficial, sobre
toda a beleza da Terra, sobre a rua, sobre as flores, sobre os jardins, sobre
tudo o que amara. A beleza deu um salto obsceno de Mathieu atirou mais uma vez.
Disparou: era puro, todo-poderoso, era livre.
Quinze minutos.
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