segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

OLHARES


Não lembra bem, mas um dia o pai mandou lá ir a casa um amigo fotógrafo para que tirasse retratos à família, uma casa em que viviam os pais, a irmã, um avô paterno, uma avó materna.

Na foto, ele está a ler em tempo de pose fotográfica.

Na biblioteca do pai, a estante que se vê era a da literatura inglesa. Mandou a mão e saiu um qualquer livro para tirar o boneco, ele que nem sequer sabia ler bem o português, exercitava-se na leitura de A Bola, ao tempo trissemanário, que há dias fez 75 anos e ele os fará em começos da Primavera que vem a caminho, quanto mais o inglês.

Um esgar de flash da máquina do fotógrafo aparece reflectido no velho Nordmend, comprado pelo pai, em suaves prestações, e onde, espantados e felizes, o primeiro programa que a família viu, foi um Nat King Cole Show.

Reconhece, hoje que desses Nat King Cole Show de então, alguma coisa ficou para mais tarde ter aprimorado o gosto por crooners.

Nesse mesmo Nordmend viu a final da 1ª Taça dos Campeões Europeus ganha pelo Benfica ao Barcelona, uma transmissão que a determinada altura foi interrompida porque a Eurovisão iria passar a chegada de John Kennedy a Paris.

No topo da estante está um vaso que o «Tio» Valentim, sargento da Armada, que casara, em segundas núpcias com a minha avó paterna, trouxera de Macau, juntamente com um serviço de café.

Curiosamente esse vaso quebrar-se-ia na madrugada de 28 de Fevereiro de 1969, durante o tremorde terra que alvoroçou Portugal, magnitude 8 na escala de Richter, demorou escassíssimos minutos mas pareceram uma eternidade.

Na véspera tínhamos enterrado o meu avõ paterno.

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