Eu certamente acabaria por arder
se ficasse mais tempo enovelada
no banco da janela,
certamente
os meus limites individuais
acabariam por esbater-se,
como é justo acontecer no amor
e em nada mais
do vulgarmente humano.
Como no amor, de facto,
algo de bruto e de
invasivo, algo que
está longe de dar as boas vindas.
Parece mas não é
uma cidade.
Parecemos mas não somo
os seus hóspedes.
Pode ouvir-se o trabalho
das aranhas
como não se ouve em mais
lugar algum,
e, no entanto, não nos prevenimos,
viciados como estamos,
embalados
pelo desfile da noite,
pelas máscaras da noite, tudo o que
dança com os turistas rua acima,
fingindo explicar tudo, simulando
o gosto da catástrofe
ali mesmo
onde a velha catástrofe perdura.
É realmente necessário um esforço
que rebente as cadeias
que nos traga
para a superfície da respiração,
é necessário que juntemos todos
os pedaços do corpo e,
como no amor,
nos arranquemos,
a muito custo,
dos lugares do perigo,
a minutos de ardemos,
a minutos
de o turno da manhã
levar as cinzas.
Hélia Correia em Resumo: a poesia em 2013
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